segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Cinema - Batem à Porta (Knock at the Cabin)

De: M. Night Shyamalan. Com Ben Aldridge, Jonathan Groff, Kristen Cui, Dave Bautista e Ruper Grint. Suspense, EUA, 2023, 101 minutos.

[ATENÇÃO ESSE TEXTO TEM SPOILERS MAIS GRITANTES A PARTIR DO QUARTO PARÁGRAFO]

Eu adoraria analisar Batem à Porta (Knock at the Cabin) como apenas mais um suspense em que uma família vai para uma cabana isolada no meio da floresta e precisa a todo o custo sobreviver a um grupo de doidinhos de bairro que se encontrou em um fórum do 4chan e resolvem tocar o terror. Mas, vamos combinar, há algo de muito errado na elaboração de um subtexto quando as pessoas não conseguem perceber com clareza o quão problemática pode ser uma trama sobre a necessidade de um gay aleatório morrer, para que uma série de profecias apocalípticas e de cunho religioso não se concretizem. Ou sou eu que estou enxergando demais e não estou apenas saboreando a nova obra de M. Night Shyamalan? Sim, porque até certa altura da projeção eu estava quase com um sorriso no rosto, confiante de que esse era de fato o retorno triunfal do indiano. Aliás, muita gente da crítica especializada tem apontado esse aspecto. E é justamente isso que me preocupa. Por que só pode que não viram o mesmo filme que eu vi.

E em alguma medida a obra até começa promissora: há um bom suspense, uma adequada ambientação e isso não dá pra negar que Shyamalan faz sempre muito bem. Ele sabe como manipular o espectador para nos levar a um estado de tensão meio que permanente, que costuma anteceder as surpresas que serão descortinadas pelo roteiro. A trama, baseada em um livro de Paul G. Tremblay (que não li) envolve o casal Eric (Ben Aldridge) e Andrew (Jonathan Groff) que vão passar com sua filha adotiva Wen (Kristen Cui) um período de férias na tal cabana na floresta. Em um instante bucólico, idílico, de comunhão com a natureza, ainda no começo do filme, Wen é surpreendida pela presença opulenta de Leonard (Dave Bautista) - um sujeito de ar misterioso, com tom de voz plácido, que avisa a pequena sobre a necessidade de entrar na casa. Por bem ou por mal. O que, naturalmente, assusta o trio.



Aliás, entrar na casa é uma forma quase simpática de abordar a pretensão dos invasores. Acompanhado de Redmond (Rupert Grint), Sabrina (Nikki Amuka-Bird) e Adriane (Abby Quinn) - todos utilizando pesados armamentos medievais -, Leonard explica a missão de todos ali. Integrantes de uma espécie de seita (não fica muito claro) garantem ter tido uma visão coletiva a respeito do fim do mundo. Como se fossem os quatro cavaleiros do apocalipse - sim, as referências bíblicas estão por toda a parte -, anunciam que a humanidade só irá de salvar de seu trágico destino (a destruição, a morte, as trevas) se um deles se oferecem em sacrifício. Se matar, no caso. E se eles se recusarem? Bem, aí é tsunami, pandemia, problemas ambientais, caos. Evidentemente que o argumento de que aquele grupo consiste em extremistas de direita que se misturam com fanáticos religiosos que pretendem "higienizar" a população é algo que grita. Essa é a parte ok do filme. Colocar o dedo na ferida sobre os perigos das redes sociais, especialmente quando envolvem pessoas antissociais, paranoicas, com dificuldades de relacionamento que se alimentam de teorias conspiratórias. Mas o que podemos dizer quando a metáfora dá uma falhada? Deixando tudo meio confuso?

A meu ver esse é o grande problema do filme de Shyamalan. Ao cabo, novamente, não se trata de uma experiência ruim. Delirantes religiosos pedindo que um gay morra pra salvar a humanidade pareceria ter tudo pra dar certo como alegoria, especialmente pelo diálogo com esses sombrios tempos atuais. Pessoas entrando sem ser convidadas na tua casa. Pessoas estranhas, que se entranham, invasivas, tentando impor suas ideias, a força. Amarrando as pessoas na cadeira, balbuciando delírios sobre cloroquina, terra plana, kit gay, comunismo. Só que, honestamente, ao chegar ao final e perceber a necessidade da família em levar adiante esse plano macabro a pra que o sol abrisse novamente depois da tormenta, me deu um ruim. Acho que o diretor no fim das contas misturou as ideias. E desperdiçou uma baita ideia de converter Batem à Porta em um verdadeira reprsentação sobre o absurdo do extremismo. Shyamalan parece até mesmo se autossabotar às vezes. Até quando dá a impressão de que vai dar certo. Que as coisas vão ficar nos eixos, ele vêm e dá aquela pesada na mão. Que faz com que o filme salte de uma nota sete pra uma nota dois, fechando num meio termo. Não tem como ser aprovado desse jeito. Ainda mais em tempos tão turbulentos como os que vivemos. O que converte o filme quase em uma espécie de desserviço. Ao menos de acordo com o que vi. Me digam vocês

Nota: 4,0


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