quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Picanha em Série - The White Lotus

De: Mike White. Com Sydney Sweeney, Alexandra Daddario, Jake Lacy, Murray Bartlett e Jennifer Coolidge. Comédia dramática, EUA, 358 minutos, 2021.

Após assistir The White Lotus - mais uma dessas joias oferecidas no catálogo da HBO Max -, eu só posso dizer muito obrigado. Muito obrigado à plataforma de streaming por nos possibilitar acesso a tantos conteúdos de qualidade, como essa minissérie dirigida por Mark White. Como em muitos outros materiais semelhantes, o que rege a narrativa aqui é a mesquinharia, a futilidade e a hipocrisia das classes mais abastadas. A trama toda se passa num resort de luxo no Hawai e, de maneira bem resumida, trata das complexas relações - de poder, inclusive - entre os turistas e os empregados do local. E sobre como o privilégio branco se perpetua e se retroalimenta de uma forma praticamente infinita, com os ricos demonstrando uma insatisfação permanente, mesmo quando envolvidos em férias suntuosas, em locais paradisíacos. Sabe o tiozinho classe média que dá carteiraço por ter algum carguinho em algum órgão ou instituição meia boca e que se dá uma importância maior do que realmente tem? Bom, ele faria uma figuração perfeita nessa série.

Aliás, nesse sentido é uma série que nos gera o tempo todo um sentimento de profunda vergonha alheia, especialmente por não estabelecer limites no comportamento desconfortável, individualista e ordinário daqueles que acompanhamos. Por exemplo, um dos personagens, Shane (o ótimo Jake Lacy) está em lua de mel no resort. A despeito de estar bem instalado em um hotel à beira da praia, com piscina e tudo do bom e do melhor - pago com o dinheiro da mãe endinheirada (Molly Shannon) -, Shane não consegue saborear a experiência pelo fato de acreditar estar sendo enganado pela gerência do local (que o teria instalado em um quarto que não estaria plenamente de acordo com aquele que foi contratado). Mas aqui não estamos falando de um quarto ruim, ou mal situado. É um espaço amplo, confortável, com deck e vista para a praia, com mobiliário bonito, roupas e banheiros limpos. Mas o jovem encafifa que a instalação contratada pela mãe foi outra: premium. A mais gold de todas. E que lhe diferenciaria, portanto, em relação aos demais frequentadores do local.

Parece meio bizarro que Shane não consiga relaxar em momento algum e que se comporte dessa maneira por quase a totalidade do tempo? Não. Não, se pensarmos em como se age a nossa elite, que, em muitos casos, é incapaz de pensar no bem-estar coletivo - salvo as raras exceções em que participam de alguma ação de caridade na igreja do bairro (ou no Rotary) e que certamente não passará batida pelos discursos laudatórios da mídia. Acompanhando Shane, a bela esposa Rachel (Alexandra Daddario) se torna uma figura apagada. Jornalista de formação, é proibida pelo marido de trabalhar. Ainda mais como freelancer. Em uma pauta que ele próprio considerava ridícula. Assim, se torna a mera esposa troféu, que é levada pra lá e pra cá, enquanto o marido truculento sapateia pelo local, perseguindo de maneira quase enlouquecedora o gerente Armond (o maravilhoso Murray Bartlett) que, com um sorriso permanente no rosto, parece sempre disposto a atender os caprichos dessa burguesia vazia, infantilóide, solitária e infeliz.

E aqui eu estou falando de um recorte - e um arco narrativo - de uma série que possui ainda muitas outras camadas, e mais um outro tanto de figuras patéticas. Há a solteirona depressiva de terceira idade, que pretende jogar as cinzas da falecida mãe castradora no mar (Jennifer Coolidge), há o casal de meia idade em crise, que parece ser progressista só no discurso (Connie Britton e Steve Zahn) e que está o tempo todo em guerra com os filhos adolescentes (Sydney Sweeney e Fred Hechinger). Há os empregados que precisam lidar com os caprichos - e as loucuras - do local. Colocar em palavras a complexidade dos temas debatidos em The White Lotus é reduzir o impacto de discussões que podem ir de sexualidade reprimida e racismo estrutural, passando por abuso de poder (e de medicamentos) e até a misantropia dos nossos tempos. E tudo ainda embalado por uma trilha sonora maravilhosa, uma edição dinâmica e uma fotografia de cores quentes, que contribuem para a ampliação da sensação "febril" que parece nos envolver enquanto acompanhamos essa trama tão engenhosa. Vale cada fragmento. Cada segundo. Quase esqueço de comentar: ainda há o mistério que envolve uma morte. Pra quem gostou de Big Little Lies e Years and Years poderá ser mais uma ótima sessão. 

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