De: Alejandro González Iñarritu. Com Daniel Giménez Cacho, Griselda Siciliani e Francisci Rubio. Comédia / Drama, México, 2022, 159 minutos.
Sim, eu pergunto essas coisas porque após esse instante tão alegórico que parece dialogar com a própria natureza da filmografia de Iñarritu - um diretor que saiu do México para fazer fama nos Estados Unidos (o mesmo País que tantas vezes ele criticou em seus subtextos) -, temos a sua resposta desmoralizante que, entre gargalhadas desajeitadas, enquadra o apresentador: "Rio do seu nacionalismo míope. Seu patriotismo provinciano. Como está a serviço de uma indústria (a da TV) devotada à humilhação pública e ao linchamento digital. os cliques que nos dizem em que acreditar. A nova mina de ouro das corporações". Luis, o apresentador, argumenta que para fazer um filme presunçoso sobre si próprio, Silvério não precisaria produzir um documentário. Silvério garante que se afastou da vulgaridade da TV por gosto, acusando o outro de ressentido e de "mendigo de curtidas em redes sociais, que anda pra lá e pra cá com capangas". É talvez um dos melhores instantes da obra, que está disponível na Netflix. Uma longa divagação de filme dentro do filme sobre os caminhos da produção audiovisual e sobre como ela está submetida a grandes corporações, a egos, a ideologias e até a idiotices do momento.
Muita gente não tem gostado de Bardo e eu tenho a impressão de que esse sentimento é muito menos pela sua suposta petulância, ou mesmo pela complexidade dos temas que deseja discutir - que às vezes surgem confusos, caóticos, meio que jogados como numa grande maçaroca -, e muito mais pela sua metragem, que parece levar a paciência do espectador até o limite, enquanto dá voltas em torno de si mesmo, sem sair muito do lugar. No centro da narrativa, Silvério é o documentarista que será o primeiro mexicano da história a receber na Terra do Tio Sam, o Prêmio Alethea de Ética Jornalística, que é concedido a cada quatro anos por uma sociedade norte-americana. "Seria uma forma de compensar os avanços da extrema direita no País?" argumenta alguém em certa altura. O absurdo do mundo atual, um olhar crítico para a própria história, alegorias que envolvem bebês que supostamente preferem morrer do que ter viver em um ambiente hostil. A abordagem pode parecer meio torta, mas, ali adiante, em meio a um surrealismo onírico que alude a um Fellini e outro, as coisas parecerão se encaixar. Parecerão, não é demais reforçar.
Antes de receber o prêmio, Silvério volta ao seu México Natal para a citada homenagem - o mesmo evento em que o protagonista é abordado pelo apresentador de TV. E a raiva de Luis tem a ver com o fato de o sujeito simplesmente não ter aparecido em seu programa, em que era um ilustre convidado. Sem dar nenhuma explicação. Bem ao estilo das almas egocêntricas que, deixando seu País de origem para trás, agora talvez encarem aquela pátria como um espaço ultrapassado, anacrônico, hipócrita de alguma maneira. Iñarritu aposta em uma viagem meio de sonho em que tudo parece no limite entre o delírio e o devaneio (ou uma soma dos dois). Nem tudo parece fazer tanto sentido quanto uma pilha de corpos falecidos, que faz emergir de seu topo a assombrosa figura de Hernán Cortés, o conquistador espanhol que destruiu o Império Asteca. Há críticas pra todos os lados, muitas delas centradas no próprio México que "não é um País, mas sim um estado mental", como lembra um taxista. Tradições, ritos, costumes. "A vida é uma série de eventos sem sentido", lembra o nosso protagonista em certa altura. Bardo é mais ou menos isso: desconexo, ilógico, hermético. Como um quebra cabeças em que caberá a nós juntar suas partes. Numa espécie de exercício de paciência que pode ser longo mas, talvez, compensador.
Nota: 7,0
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