quarta-feira, 21 de março de 2018

Tesouros Cinéfilos - The Square: A Arte da Discórdia (The Square)

De: Ruben Östlund. Com Claes Bang, Elisabeth Moss e Dominic West. Comédia dramática, Suécia / Alemanha / Dinamarca / França, 2017, 151 minutos.

Desigualdade social, hipocrisia das classes mais abastadas, falta de empatia, empáfia do universo das artes, informação na era digital, abuso de poder. São tantos os temas discutidos no ótimo The Square: A Arte da Discórdia (The Square) que a sensação que temos, ao final das duas horas e meia de projeção é a de que o filme poderia ter mais duas horas e meia que, ainda assim, não contemplaria os seus assuntos a contento. Esse é aquele tipo de película que não tem um começo, um meio e um fim bem definidos, nos apresentando a uma série de situações que, nas aparências, parecem desconectadas - mas que no geral formam uma realidade que, sim, é a da Suécia, mas que bem poderia ser a de qualquer outra nação que tem as suas disparidades. Um contexto em que as diferenças sociais existem e que transformam em inócuas as ações filantrópicas de senhores engravatados que carregam debaixo de seus finos trajes todo o seu preconceito.

No fim das contas, essa é uma obra de contrastes. De um lado temos o universo das artes plásticas e o protagonista Christian (Bang), gerente recém-empossado de um museu de arte moderna que se esforça para que as novas instalações - cheias de significados difusos e de um hype nem sempre interessante - sejam sucesso. Do outro lado, as camadas em vulnerabilidade social, que se utilizam de verdadeiras manobras "artísticas" para tentar sobreviver - sendo que, em uma delas, Christian é enganado por três pessoas que fingem estar em um caso de violência doméstica em plena rua, para roubar o celular, o relógio e as finas abotoaduras de Christian. O microcosmo apresentado pelo diretor Ruben Östlund (do ótimo Força Maior) é completado por uma jornalista cultural (Moss) e por integrantes de uma agência de publicidade contratada por Christian para promover a mais recente aquisição de sua curadoria: uma instalação chamada The Square.



No tal "quadrado" que a obra representa - uma figura geométrica luminosa colocada no chão - as pessoas devem tratar as outras de forma igualitária e gentil (ao menos é essa a proposta do artista). Como se ali fosse uma zona livre de ódio, de preconceito e de intolerância. Mas como nos livramos de nosso individualismo ou de nossos comportamentos hostis e discriminatórios no dia a dia? Como fazemos isso no MUNDO REAL, para além de uma obra de arte que, no fim das contas, pouco significa? Esse é um dos dilemas do filme. E que é representado pelas ações do protagonista que, para tentar reaver os objetos materiais que lhe foram levados, tem a obscena ideia de colocar um recado em cada um dos apartamentos de um prédio, após descobrir a localização de seu celular (via satélite) em um bairro de periferia. Bom, que essa ideia resultará em uma série de imprevistos, não é necessário sr nenhum Sherlock Holmes para saber.

E, assim como ocorre em seu filme anterior, Östlund aposta no humor (e em um certo rompimento da lógica) como elemento narrativo. O que contribui, graficamente, para a sensação de desconforto e até mesmo de caos que ronda as personagens. Nesse sentido, se em uma cena vemos um bebê e um cachorro DENTRO da agência em que um grupo discute sobre formas de divulgar obras de arte, num outro assistimos a uma multidão que acompanha uma abertura que, como se fosse uma horda de zumbis, parece muito mais interessado no coquetel que será oferecido, do que na apreciação de cada obra. É nessas pequenas "quebras" que o diretor vai, de maneira sempre sutil e elegante, gerando um surpreendente clima de tensão, como se a vida de Christian - bem como seus pensamentos, visões de mundo e convicções -, estivessem sendo testados o tempo todo. O tipo de questionamento que, naturalmente, também fazemos (ou deveríamos fazer) em nossas rotinas.


Com ecos de filmes como A Grande Beleza (2013) e O Homem ao Lado (2009), Östlund ainda se ocupa de discutir a arte contemporânea e a sua aparente falta de sentido estético ou espírito transgressor. Que percepções, emoções ou ideias pode nos provocar uma sala branca em que estão assentados dezenas de montes de areia, terra e brita? O artista plástico e pensador Marcel Duchamp, responsável pela instalação A Fonte - que nada mais era do que um mictório de louça branca - já dizia que "a arte ruim é arte, do mesmo modo como uma emoção ruim é uma emoção". Ao levar esse debate ao limite, o diretor desconstrói a solenidade que permeia os museus de arte e as galerias em geral. Não é por acaso que uma das melhores cenas de The Square envolve um sujeito com Síndrome de Torette direcionando impropérios a um presunçoso artista. Uma "arte" que não hesitaríamos em aplaudir.

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