De: Martin McDonagh. Com Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon e Barry Keoghan. Comédia / Drama, EUA / Irlanda / Reino Unido, 2022, 114 minutos.
Vamos combinar que, ainda nos dias de hoje, a gente tende a romantizar as relações de amizade. Como se, uma vez estabelecido esse tipo de vínculo, ele teria de durar a vida toda. Dá pra dizer adeus a um amigo de longa data? Sem remorsos, sem dores, sem rancores? Acho que não há quem não tenha vivido ou passado por isso. As pessoas mudam, afinal. Tem suas trajetórias, suas bagagens, evoluem - ou não. Ficam estagnadas lá, no mesmo lugar, conversando sobre os mesmos assuntos, as mesmas mesquinharias. A meu ver, em tempos polarizados - olha aí essa palavrinha de novo - esse aspecto parece se acentuar ainda mais. As afinidades nas relações avançaram também para o campo político. Como pessoa que trafega no campo progressista, eu não consigo conceber uma convivência diária e direta com quem flerta com a extrema direita. Ou simplesmente quem vota no Bolsonaro. E há muitos amigos das antigas, ex-colegas de faculdade, que simpatizam com o "mito". Talvez muitas pessoas passassem por cima disso. Pelo bem da amizade. Pelo amor. Famílias não se afastam, eventualmente? Casais deixam de existir? Por quê com os amigos é tão mais difícil?
Pois o que o diretor Martin McDonagh parece pretender com Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin) é teorizar um pouco a respeito disso. E se num certo dia o seu melhor amigo acordasse e, ao encontrar você, naquele bar de sempre, dissesse um "deu, não quero mais, daqui pra frente é cada um pro seu canto". É isso que Colm (Brendam Gleeson) faz com Pádraic (Colin Farrell) em um dia nebuloso qualquer, em uma ilha no costa da Irlanda, em meio à Guerra Civil local. Como sempre faz em sua rotina, Pádraic acorda cedo, faz o manejo dos animais e vai até a casa de Colm para convidá-lo para a taverna do pequeno vilarejo - o que fazem juntos a sabe-se lá quantos anos, religiosamente. Só que Colm cansou dessa rotina. Dessa vidinha vazia. E comunica isso à Pádraic com uma sinceridade excruciante - e a dor sentida pelo seu melhor amigo parece reforçada pela expressão permanente de "cachorro pidão", que Farrell consegue elaborar com suas enormes sobrancelhas de taturana, sem nenhum dificuldade.
Compreender os motivos que possam estar por trás da decisão de Colm se tornam uma espécie de questão de honra para Pádraic, que forçará a barra até o limite do tolerável, o que levará seu "ex-melhor amigo" a uma série de decisões extremas - uma delas bem ao estilo de humor do diretor de Três Anúncios Para Um Crime (2017), com direito a automutilação e uma boa dose de delírio absurdista. Cambaleando pela vila meio desorientado sem seu melhor amigo a tiracolo, Pádraic encontrará no jovem Dominic (o sempre ótimo Barry Keoghan), uma espécie de conselheiro meio involuntário (ainda que o rapaz pareça ter algum tipo de déficit cognitivo). Já a sua irmã Siobhan (A ótima Kerry Condon), se exasperará com aquela situação. Pessoa inteligente, adepta da leitura, recebe uma proposta de emprego que poderá ser o caminho para deixar para trás aquela localidade erma, tão bela quando atrasada, parada no tempo. Aliás, essa estagnação é o que parece afligir também a alma de Colm: adepto da música e talvez de outras artes (como a decoração de sua pequena casa sugere), parece ter se enchido de Pádraic, justamente por sua incapacidade de avançar para além de um certo limite no que diz respeito à complexidade das ideias. Ele é um sujeito amável, sem dúvida. Bondoso, certamente. Mas Colm parece determinado a deixar algum tipo de legado que seja algo a mais do que o "tá lá o cara que passou suas tardes tomando cerveja preta inexoravelmente durante sete décadas".
E, ao cabo e em matéria de história em si, o filme é mais ou menos isso. Um fiapo que se espalha e, aqui e ali, faz a gente conjecturar sobre o assunto - em partes como fiz naquela divagação do primeiro parágrafo. Com sua força centrada nas interpretações (todas lembradas no Oscar), esse é aquele tipo de obra que não carece de grandes eventos para que aconteça - as explosões que sugere a guerra em andamento ecoam da ilha, mas, quem se importa. Em certa altura o policial sem muito caráter Peadar (Gary Lydon), afirma que conseguiu um frila para executar alguns presos políticos no local. "Em que lado da disputa eles estão?". Pouco interessa, afirma Peadar, que completa sua sentença dizendo que mataria o próprio Colm por um dinheiro tão bom. É nesse vazio de ideias que contrasta com a natureza exuberante que vagam os personagens. Solitários, ordinários, com suas rotinas repetitivas, simplórias. Siobhan consegue fugir a tempo, enquanto os homens do local não compreendem os motivos da irmã de Pádraic nunca ter casado. Provavelmente não havia ninguém para ela ali. Só que ela foi muito mais corajosa, certamente, do que Colm, interrompendo esse ciclo mais cedo. O personagem de Gleeson percebe tardiamente o quanto de tempo ele perdeu. As situações limite podem ser apenas simbólicas. Mas, de alguma forma, resumirão os tormentos que estão em sua alma de artista.
Nota: 8,5
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