segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Tesouros Cinéfilos - Eo (Eo)

De: Jerzy Skolimovski. Com Sandra Drzymalska, Isabelle Hupert e Lorenzo Zurzolo. Drama, Polônia / Itália, 2022, 86 minutos.

Um burrinho num rolê completamente aleatório nos fazendo perceber, não sem certa melancolia, que talvez o mundo fosse bem melhor para os animais se o ser humano simplesmente não existisse. Mais ou menos dessa forma meio torta é que podemos resumir o curioso Eo (Eo) - o enviado da Polônia ao Oscar e um dos finalistas na categoria Filme em Língua Estrangeira. Contemplativo, desalentador e eventualmente cômico, o filme do experiente diretor Jerzy Skolimovski (do sombrio Quatro Noites com Anna, 2008) acompanha as idas e vindas do burrinho que dá nome ao filme - um simpático animal cinza de olhos inocentes e de uma persistência comovente. Inicialmente integrante de um coletivo circense, Eo é "libertado" pelas autoridades, sob a alegação de maus tratos aos animais - pra desespero de sua carinhosa cuidadora Kasandra (Sandra Drzymalska). Enviado a uma propriedade improvisada pela Prefeitura o protagonista percebe que, desamarrado, sua vida não será assim tão mais fácil.

Isso porque, em suas andanças, Eo se verá como uma espécie de espírito errante que se encontra solto mas está preso, que vaga pela Terra mas é encontrado. Em seu caminho, se deparará com um grupo diversificado de seres humanos que poderão ser gentis ou inesperadamente cruéis. O mundo, ao cabo, é imprevisível. Em alguma medida cheio de mistérios. E a cada novo encontro do protagonista com quem quer que seja, seremos permanentemente colocados em suspense, como se já soubéssemos de antemão quais os tipos de maldade de que é capaz o homem, quando o assunto é a sua relação com  os animais. Um bom exemplo disso podemos perceber quando Eo "invade" uma partida de futebol amador meio que sem querer - ele é levado ao local por um dos atletas. Quando um dos times é derrotado, a culpa, vejam só, recai sobre o burro - aquele bicho de mau agouro que não era pra estar ali. E que, enfim, precisa sofrer as consequências (ao menos na ideia do grupo de malucos).

De perfil experimental, a obra naturalmente é muito mais contemplativa, morosa, do que necessariamente movimentada - sensação ampliada pela cenografia ampla e pela fotografia de tintas excêntricas, quase surrealistas. Conforme se desloca de um ponto a outro, Eo cruza florestas, ultrapassa riachos, montanhas, matas fechadas e outros ambientes tão bucólicos quanto inóspitos. Nas mãos de agricultores das redondezas ele até poderá ser bem tratado. Mas até quando? Quando sua antiga cuidadora vai ao seu encontro - ela o localiza ou, ao menos aparentemente, sabe de seu paradeiro -, o nosso herói se agita. Fica inquieto. Tenta desesperadamente ir atrás de sua dona - de quem recebia uma dose muito mais generosa de carinho. De afago. Para nós, espectadores, que enxergamos o entorno pelos seus olhos, só nos restará torcer. Enquanto Eo se movimenta daqui pra lá, tentando ao máximo se comunicar de alguma maneira. Sem sucesso, claro.

Em alguma medida, é possível afirmar que talvez essa não seja uma obra indicada para aqueles que não toleram sequências de violência contra animais - por mais que toda a coreografia venha com um aviso a tiracolo de não ter havido nenhum abuso nesse sentido durante as filmagens. Porque o espantoso e agressivo, afinal, vai para além da vida do burro - com a alegoria da brutalidade, da selvageria e da agressividade chegando ao entorno, mais adiante do olhar passivo do bichinho. Em certa altura um caminhoneiro é simplesmente degolado. Em outro instante uma senhora quebra, literalmente, os pratos com seu enteado, antes de beijá-lo na boca (e a relação incestuosa é esfregada em nossa cara sem grandes assombros). Um pássaro morre. O rio parece querer drenas a alma. É tudo um tanto lírico, intercalando beleza com crueza, enquanto a trilha sonora evocativa soa espantosa e épica. É um filme curto, mas que parece longo. Que acarinha mas faz sofrer. Skolimovski já tem 84 anos e talvez esteja meio que de saco cheio dos seres humanos. E, de alguma maneira, talvez ele apenas queria nos lembrar que a morte é meio inevitável. Por mais pessimista que isso soe.


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