sexta-feira, 1 de abril de 2022

Novidades em Streaming - Pequena Mamãe (Petite Maman)

De: Céline Sciamma. Com Joséphine Sanz, Nina Meurisse, Gabrielle Sanz e Margot Abascal. Drama, França, 2021, 72 minutos.

Existe uma cena no comecinho de Pequena Mamãe (Petite Maman), filme disponível na plataforma Amazon Prime, que dá o tom daquilo que encontraremos no novo filme da diretora Céline Sciamma (do incensado Retrato de Uma Jovem em Chamas). Nela, a pequena Nelly (Joséphine Sanz), de apenas oito anos, está no banco de trás do carro dirigido pela mãe (Nina Meurisse). Ambas estão retornando do funeral da avó da garota (Margot Abascal). Um momento de luto, portanto, para ambas. Como forma de tentar afagar a entristecida mãe, Nelly oferece a ela algumas unidades de salgadinho enquanto ela dirige. Lhe estica também até a sua boca, um gole de suco em caixinha. Um abraço envolve o pescoço da motorista, que esboça um sorriso. A forma ao mesmo tempo generosa e cheia de ternura com que Nelly se empenha em acarinhar a própria mãe comove. E estabelece um vínculo que permanecerá durante toda a narrativa.

Ao cabo, Pequena Mamãe é um filme, com o perdão do trocadilho, pequeno. São pouco mais de 70 minutos de uma jornada encantadora e lúdica sobre luto na infância, memória e formas de prosseguir. Após o falecimento da avó, Nelly vai com a sua mãe e o seu pai para a casa onde a primeira morou na juventude. Um local cheio de lembranças. Físicas, nostálgicas, em algum recanto do cérebro. Assim que chegam ao local, os adultos começam a arredar moveis, a mexer em objetos. Reconhecem uma pintura desgastada na parede que tinha algum significado. Riem. Quando vão dormir, a mãe comenta com a filha sobre os medos que tinha quando era pequena. De coisas desconhecidas, de aparições na beira da cama - ela cita uma pantera que surgiria aos seus pés. A menina adormece ao lado da mãe. Que no dia seguinte desaparece. A nós espectadores a incerteza. A mãe morreu? Ou apenas saiu dali?

Quem nunca passou, quando criança, pela curiosa situação de conviver com uma "mentirinha de adulto". Especialmente quando o assunto é a morte, alguém doente, um assunto qualquer que seja mais sério, mais duro. Ainda que necessário. Após o desaparecimento da mãe, Nelly vai para o mato ao redor da propriedade, onde pretende descobrir o local em que fica uma espécie de cabana junto a uma árvore, que havia sido construída por sua mãe na juventude. Quando identifica essa casa improvisada, Nelly encontra também a jovem Marion (Gabrielle Sanz), também uma menina de oito anos bastante parecida com ela. Ambas estabelecem uma amizade, brincam juntas, riem enquanto fazem panquecas ou ensaiam uma peça de teatro. Vida e arte se misturam, assim como passado, presente e futuro. Na imaginação das crianças não há muita lógica. Há apenas os caminhos percorridos que as permitem sobreviver nesse mundo tão cheio de dor.

Com sutileza, com elegância Céline Sciamma constroi uma obra de fotografia granulada, que se aproveita dos cômodos da casa para a criação de um ambiente labiríntico, mas que funciona como espaço físico que evoca memórias. O "segredo" talvez não seja assim tão complicado de se desvendar, mas isso é o de menos, já que o que importa aqui é a visão juvenil para suportar a dor, a doença, o luto. Pra nós nunca fica claro se Nelly está sonhando uma fantasia onírica, com Marion sendo uma espécie de amiga invisível que lhe permite a expiação. E os adultos, nessa equação, não ajudam muito, com seu comportamento discreto, pouco evidente. No final, Pequena Mamãe é um filme não tão fácil, mas que fica em nossa mente no momento em que os créditos sobem. A vida é complicada, afinal. E a forma como elaboramos as nossas mazelas é o que faz com que tenhamos motivação pra seguir em frente.

Nota: 8,5

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