sábado, 22 de fevereiro de 2020

Foi Um Disco Que Passou Em Minha Vida - The Beatles (Help!)

Eu não me lembro qual era a minha idade. Talvez nove ou dez anos. Eu já era fã dos Beatles nessa época - por fã leia-se viciado em uma fitinha K7 com vinte músicas deles, uma espécie de coletânea que passava as tardes ouvindo -, quando fomos visitar o tio Rogério, irmão da minha mãe que mora em Estância Velha. A casa do tio Rogério sempre foi simples e cultural. No local há uma pequena biblioteca, que é de propriedade de um outro irmão, o tio Zeza (que é escritor no underground portoalegrense). Nas estantes, discos e fitas. Muita coisa brega, provavelmente. Mas lá no meio, meio perdida, uma fitinha do álbum Help!, instalada, meio empoeirada. Nessa época as fitas "originais", reproduziam a arte do disco de vinil, as fotos, tudo mais. Em uma versão pequena, claro. Lembro que pirei com aquilo. Já conhecia a música Help!, e algumas outras que estavam no álbum, mas eu precisava dele com todas as minhas forças.

Bom, eu não sei como era o processo pra comprar disco de vinil no final dos anos 80 e início dos 90, mas as lojas certamente se espalhavam pela cidade. E foi numa delas que o meu pai, o seu Ênio, achou a versão em vinil para me presentear no aniversário seguinte. Eu simplesmente enlouqueci com aquilo. Eu queria ter qualquer disco dos Beatles. Até umas imitações que eram vendidas no mercado local me faziam feliz, então imagina poder ouvir Help!, Ticket To Ride, You've Got to Hide Your Love Away e The Night Before todas juntas em um mesmo álbum. Mas eu lembro que a descoberta MESMO veio com o lado B. Aquelas músicas um pouco diferentes, mesclando folk, country, outros instrumentos, um vocal que não era necessariamente do John Lennon ou do Paul McCartney, alguma quebra de lógica no andamento de algumas canções - caso de It's Only Love ou Tell Me What You See. Bom, aquilo foi a minha trilha sonora por alguns pares de meses - ou até anos. E, de vez em quando, eu ainda volto a ele, evidentemente.


Foi bem mais tarde que eu fui compreender que o disco fazia parte de um filme dos Beatles. E que nem de perto ele estava entre os favoritos dos fãs da banda - normalmente o Revolver (1966) e o Sgt. Pepper's Lonely Heart Club Band (1967), costumam ser os mais citados. Mas o que talvez as pessoas não lembrem, é que Help! pode ter pavimentado o caminho para esse processo de desconstrução total que os fab four passariam em seus grandes trabalhos. Em 1965, o Ié Ié Ié dos primeiros álbuns da carreira já andava meio saturado e grupos como os Rolling Stones e o The Animals, já começavam a ocupar o lugar no coração dos fãs de boa música. Assim o movimento de troca, de distanciamento de um estilo/vertente, que era proposital ou não, ainda entrega uma grande coleção de canções na primeira parte do disco, com os temas de amor que lhes eram caros - gosto de pensar na espetacular You're Going To Lose That Girl como um momento derradeiro disso, uma canção febril que já acenava para algum tipo de melancolia diferente -, para, na segunda metade do registro, apresentar com mais força aquilo que viria dali pra frente.

E pra este que vos escreve não existe exemplo melhor desse movimento do que a música que é cantada por Ringo Starr, logo na abertura do lado B - e juro a vocês que Act Naturally tá no meu top 5 de preferidas! A letras é sobre um cara que vai entrar pro cinema e acha que pode ganhar um Oscar por um motivo prosaico (Eles vão me colocar no cinema / Eles vão me transformar numa grande estrela / Faremos um filme sobre um homem triste e sozinho / E tudo o que tenho que fazer é agir naturalmente). E tudo com um violãozinho country que remete aos filmes de faroeste do mesmo período! A letra fugia da romantização quase paranoica do começo da carreira - sim, a gente ama She Loves You, Love Me Do, And I Love e Hard Day's Night, mas era necessário, lembremos, um passo diferente. Para além dos gritinhos ensandecidos do auditório nas apresentações em estúdios de TV americanos. E, a meu ver Help!, o disco que fez um piá de dez anos pirar num domingo despretensioso na casa de um tio, é esse registro. Que pra sempre estará em local privilegiado na minha estante!


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