segunda-feira, 27 de maio de 2019

Tesouros Cinéfilos - O Filho (Le Fils)

De: Jean-Pierre e Luc Dardenne. Com Olivier Gourmet, Morgan Marinne e Isabella Soupart. Drama, Bélgica / França, 2001, 103 minutos.

Assim como ocorre com a descriminalização do aborto e com a discussão sobre a possibilidade de liberação da maconha para usos medicinais, o tema da ressocialização de indivíduos que cometeram crimes - especialmente os mais jovens -, sempre suscita um amplo debate. Por um lado, enquanto correntes mais progressistas acreditam no potencial transformador da reintegração de presos recém libertos e do retorno ao convívio social a partir de políticas públicas humanísticas, a turma reacionária, que acredita que "bandido bom é bandido morto", prefere sinalizar para a aprovação da pena de morte como medida punitiva, para a redução da maioridade penal e para liberdade policial para matar, se assim os agentes responsáveis pela manutenção da segurança da sociedade, acharem necessário. Sim, é um tema difícil, com opiniões inflamadas de cada um dos lados.

Na trama do excelente O Filho (Le Fils), mais uma daquelas obras-primas dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, esta temática surge de maneira central dentro da narrativa. O filme mostra o dia a dia do carpinteiro Olivier (Olivier Gourmet, premiado em Cannes por sua caracterização) que coordena um grupo de jovens aprendizes de seu ofício. Ali pelas tantas, um rapaz de nome Francis (Morgan Marinne), chamará a atenção de Olivier, que lhe contratará. Após uma discussão envolvendo a ex-esposa de Olivier, Magali (Isabella Soupart), descobriremos que Francis é o assassino do filho do casal, em um incidente pouco claro, ocorrido cinco anos atrás. Após uma temporada no reformatório (foi preso quando tinha apenas onze anos), o jovem está em busca da reintegração na sociedade. Detalhe: sem saber que está trabalhando com o pai de sua vítima do passado.


Como quase sempre ocorre na filmografia dos irmãos Dardenne, é um filme áspero, nem sempre fácil, em que os silêncios e os olhares prevalecem - ainda que eles comuniquem muito. Desde o começo da película, Olivier espia Francis pelas frestas das portas e janelas da carpintaria, enquanto barulhos de equipamentos em operação, de pregos sendo martelados e de madeiras sendo trabalhadas ecoam pelo ambiente - formando um contexto sonoro esquizofrênico, que contribui para o clima de tensão que se estabelece desde os primeiros minutos de filme. A cada instante em que o pai enlutado está diante de seu algoz, paira uma dúvida no ar a respeito do destino de ambos: Olivier seria capaz de perdoar e seguir adiante? Ou em meio ao olhar oblíquo de seus óculos fundo de garrafa e de seus modos taciturnos estaria sendo perpetrado algum tipo de vingança posterior?

Perfeitos na construção da encenação, os diretores praticamente grudam a câmera em Olivier, adotando o estilo documental de forma fluída, orgânica - o que joga o espectador para "dentro" do filme, sem concessões. Este sentimento é reforçado pela adoção de longos planos sequência, o que reduz o efeito mais "duro" dos cortes, na montagem, reforçando o clima de suspense, levando o espectador quase ao limite. E mesmo cenas prosaicas, como a do grupo de jovens levando toras de madeira para cima de uma escada, se transformam em instantes de puro estranhamento (e tensão), em que se tem a impressão de que algo mais grave vá ocorrer a qualquer momento. É cinema gigante, mas sendo econômico, deixando as explicações para as entrelinhas, sem nenhuma obviedade ou solução fácil.



[ALERTA DE SPOILER] Funcionando como uma sequência perturbadora de encontros e desencontros entre Olivier e Francis - que culminarão em uma cena decisiva dentro da oficina do primeiro - a película ainda reservará para o terço final a maior de suas surpresas (e que deverá irritar os adeptos do "olho por olho, dente por dente"). Incapaz de se vingar de seu aprendiz, Olivier destinará a ele um curioso "novo papel", após o jovem lhe perguntar se ele se importaria de ser seu tutor. Uma conclusão nada óbvia, que foge do padrão hollywoodiano de vingança, e que simboliza uma vitória da esperança e do perdão, afinal de contas, Francis também é resultado de uma sociedade que não lhe assiste da melhor maneira - há um pai que morreu e uma mãe ausente. Assim, fechar as portas para ele, seria perpetuar a injustiça social. O que, no fim, Olivier parece se recusar a fazer.

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