terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Cinema - Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy)

De Rupert Goold. Com Renée Zellweger, Rufus Sewell, Jessie Buckley e Finn Wittrock. Drama / Musical, Grã Bretanha / Irlanda do Norte, 2019, 118 minutos. 

Quando ganhou o Globo de Ouro no começo desse ano, Renée Zellweger brincou com os presentes ao dizer que estava feliz em reencontrar todo mundo "dezessete anos depois". Bom, não é que a atriz tenha parado completamente, mas foi quase isso - especialmente após problemas relacionados à depressão e ao preconceito da indústria pelo fato de ela, a certa altura da carreira, estar acima do peso. Nesse sentido, a entrega a uma performance inesquecível em Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy), talvez seja mais um daqueles casos de "vida imitando a arte", ou vice e versa. No filme vemos uma Judy Garland já veterana, tentando dar um novo rumo para a sua carreira em Londres - os ingleses sempre foram muito apaixonados por ela. Mas Garland, assim como muito provavelmente a própria Renée, precisava superar a insegurança, a baixa autoestima e a necessidade (inclusive financeira), que praticamente lhe obrigava a TER QUE dar certo.

E talvez tudo isso explique a entrega comovente da atriz na hora de encarnar uma figura tão icônica. Muito mais econômica nos trejeitos e tiques que em algum momento foram a sua marca registrada (eu sempre achei aquele Oscar por Cold Mountain meio exagerado), Renée vira uma Judy Garland capaz de ser pequena (ela era baixinha, com 1,51 de altura) e grande ao mesmo tempo (no palco a transformação era imediata). Seu comportamento intempestivo, seu gestual repleto de inflexões com a cabeça e olhares surpreendidos, sua voz marcante, tudo está lá, em um trabalho claramente estudado e profissional acima de tudo. E, como se já não bastasse a interpretação que não é só de corpo, é também de alma, Renée ainda tratou de cantar todas as canções - e a reinterpretação que ela faz do maior clássico de Garland, Over The Rainbow, quase a final do filme, é daquelas para ficar marcada na memória de qualquer cinéfilo.


A trama em si tem um bom componente de bastidores da indústria, com esta surgindo como uma grande vilã. Impedida de comer aquilo que gosta ou de simplesmente se atirar em uma piscina se assim tiver vontade, Garland cresceu sendo entupida de comprimidos reguladores de apetite e emagrecedores porque estava descartada a hipótese de ela engordar (lembram do preconceito com Renée). Em uma vida de privações e de sucesso, Garland vê sua carreira entrar em declínio e desmoronar após os 40 anos - aliás, algo que é bastante comum na máquina recicladora de astros que é Hollywood (sempre ávida pelos mais novos rostinhos bonitos que servirão para gerar bilheteria e rios de dinheiro). Sem grana para sequer pagar um hotel ou uma moradia para seus filhos, a atriz entrará em choque com o ex-marido Sidney Luft (Rufus Sewell), que pedirá a guarda das crianças - o que motivará Judy a tentar um recomeço para a sua carreira na Europa.

Cheio de idas e vidas no tempo, o filme do diretor Rupert Goold intercalará imagens da juventude da promissora estrela (em um universo colorido, quase de sonho), com o clima frio, acinzentado da atualidade, com a atriz lutando para ser novamente reconhecida, em um ambiente que parece pronto a lhe engolir por qualquer deslize que seja. E por mais que a obra seja essencialmente "musical" (o que é inevitável), trata-se de uma narrativa sobre solidão, sobre persistência e sobre a tentativa de dar a volta por cima (e talvez esse clima meio "autoajuda" do roteiro tenha desagradado alguns críticos, bem como o excessivo endeusamento de sua biografada, que aparece como uma figura facilmente manipulável e com poucos desvios de caráter). Ainda assim, especialmente pela entrega de Renée (que anteontem ganhou seu justo Oscar), não há como apagar o brilho que se sobressai de uma obra dessas: bem conduzida e bem editada, fotografada com certo glamour e riquíssima do ponto de vista musical. Vale conferir.

Nota: 7,5

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