quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Picanha em Série: Feud: Bette and Joan

De: Ryan Murphy, Helen Hunt, Liza Johnson e Gwyneth Payton. Com Jessila Lange, Susan Sarandon, Judy Favis, Alfred Molina e Stanley Tucci. Drama / Comédia, EUA, 2017, 480 minutos.

Eis um dos mais representativos casos de "melhor série que ninguém viu" - e confesso a vocês que tive de pausar diversas vezes Feud: Bette and Joan pelo simples motivo de poder degustar melhor aquilo que estava assistindo, o que fez a produção de Ryan Murphy (Pose, American Horror Story) entrar diretamente no meu Top 5 das séries (minisséries, nesse caso), preferidas. A trama conta a história por trás de uma das mais improváveis parcerias que se tem registro em Hollywood - no caso, quando Joan Crawford e Bette Davis se juntaram para contracenar no clássico de Robert Adrich, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962). Rivais fora das telas, ambas as atrizes tinham vivido os anos de ouro na Meca do Cinema, sendo premiadas e reconhecidas mundo afora. Mas no começo da década de 60, já não eram nomes que atraíam tão fortemente os holofotes, sendo relegadas à participações constrangedoras em programas de TV ou em peças de teatro de qualidade duvidosa - condição que anteciparia o inevitável ostracismo.

Como uma forma de tentar resgatar aquilo que parecia perdido, Joan (Jessica Lange) tem a ideia de apresentar à Aldrich (Alfred Molina), uma cópia do livro de Henry Farrell. O cinema de horror hagsploitation ainda não havia surgido como subgênero, mas o diretor enxergou ali uma oportunidade de ouro não apenas para ele - até então relegado ao segundo plano na indústria -, mas também para suas duas estrelas. Nesse sentido, a narrativa contada em oito capítulos trará o antes o durante e o depois dessa experiência, com um sem fim de embates homéricos entre Joan e Bette (Susan Sarandon). Tão iguais quanto diferentes, Bette sempre foi muito talentosa mas, nem tão bonita, parecia estar sempre precisando provar a sua capacidade de interpretação, ao passo que Joan sempre foi muito bela, o que fez com que ela precisasse provar o tempo todo que não era apenas um "rostinho bonito". As duas parte de uma engrenagem comandada por homens, num ambiente extremamente machista, definindo ou acabando com carreiras e reciclando ídolos a seu bel prazer.


E talvez esse seja um dos pontos fortes de Feud: Bette and Joan: inimigas quase mortais no set, percebem tardiamente que talvez pudessem ter sido amigas, se não tivessem sido fruto da manipulação extrema de produtores - como o chefão da Warner Jack Warner (Stanley Tucci) -, ou da imprensa sensacionalista - na série, caracterizada pela poderosa colunista social Hedda Hooper (Judy Davis). Para além desse aspecto (e, em partes, também por causa dele), a série é mais pura diversão metalinguística, com acontecimentos relevantes de bastidores sendo despejados na cara do espectador, resultando em um deleite não apenas visual - a fotografia e o desenho de produção são assombrosos -, e de roteiro, cheio de ótimos e espirituosos diálogos, mas também de esforço de interpretação da dupla central, que leva os trejeitos das figuras que encarnam quase na direção da homenagem (fugindo da paródia). E não deixa de ser paradoxal o fato de vermos duas atrizes que já ultrapassaram os 70 anos e que já venceram o Oscar - Lange por Céu Azul (1994) e Sarandon, curiosamente um ano depois por Os Ultimos Passos de Um Homem (1995) -, encarnando papeis para a TV, o que dá um exemplo quase excessivamente visual daquilo que a própria série pretende discutir.

Para quem gosta de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? ou aprecia outros filmes da época - como A Malvada (1950), A Dama Enjaulada (1964), Almas Mortas (1964) e Com a Maldade na Alma (1964) -, bem como os astros e estrelas do período, a série se tornará ainda melhor, mais saborosa. Narrada em um formato de falso documentário, a história é contada pelas atrizes Joan Blondell (Kathy Bates) e Olivia De Havilland (Catherine Zeta-Jones) - esta última com papel centrar na trama, especialmente pela amizade com Davis. Com uma série de subtramas que discutem feminismo, papel da mulher na sociedade, sororidade e trabalho x maternidade, a minissérie é um verdadeiro espetáculo que tem o quinto episódio - o dos bastidores da cerimônia do Oscar de 1963 -, como central. Aliás, não foi por acaso que esse episódio foi indicado ao Emmy, com o show sendo lembrado ainda em nove outras categorias para a cerimônia de 2018 (infelizmente, nenhuma vencedora). Mas não ter vencido premiações não apaga o brilho da série, que coloca frente a frente duas mulheres de personalidade forte, ambiciosas, sinceras, orgulhosas, que nos farão rir e chorar o tempo todo em meio a ressentimentos, confissões e fraquezas.

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