Devo confessar que obras como Holy Motors (Holy Motors), me causam verdadeiro fascínio. Aquele tipo de filme em que você não entende praticamente nada, mas que não sai da sua cabeça assim que termina a sessão. Que você fica buscando sentidos, ainda que isso não seja absolutamente necessário. Ao lado de Cidade dos Sonhos (2001), Donnie Darko (2001) e outros exemplares, tratam-se, muitas vezes, de películas sensoriais. Que utilizam o coletivo de imagens e de sons para nos assombrar sem uma lógica de começo meio e de fim estabelecida. Sem uma conexão clara, exata. Pois esse filme do diretor Leos Carax já começa esquisito: um homem desperta em um local que parece um hangar abandonado de um aeroporto (mas o barulho é o de um convés de navio). Ao lado, uma platéia parece paralisada, em um cinema de aspecto sombrio, enquanto imagens sem sentido são evocadas. A história mal começou e já temos uma sensação de estranhamento meio generalizada.
Quando sai de sua casa (a casa parece uma embarcação, reparem) e entra em uma limusine, perceberemos aos poucos a natureza do "trabalho" do protagonista, um certo Monsieur Oscar (Denis Levant): durante todo o dia, encarnará figuras diferentes - uma mendiga idosa, um pai arrependido em seu leito de morte, um assassino profissional, um louco que vive nos esgotos, entre outros. Em cada uma das personalidades, detalhes diferentes, inflexões de voz, olhares, comportamentos, que tornam cada uma delas, única. Nesse sentido, se sobressai aquele que parece ser o primeiro e mais marcante aspecto da película: ela se trata de uma grande homenagem ao teatro e ao poder das artes (amplificado por vigorosas interpretações, que alcançam seu auge quando Oscar encarna o grotesco sujeito que sai do esgoto, entra em um cemitério, invade uma sessão de fotos de uma modelo famosa e a sequestra). Aliás, o que torna este instante tão especial, é perceber que todos ali estão interpretando - o que não diminui o nosso arrebatamento como espectadores.
Como parte da excentricidade quase surrealista da nossa experiência, é interessante notar como consideramos "crível" cada personagem de Oscar, mesmo assistindo a ele se preparando (usando perucas ou enxertos de peles falsas e se maquiando), na nossa "frente". Assim, uma outra análise pode ser feita: a de que ao viver tantas vidas diferentes em um único dia, Oscar esteja não apenas evocando a nossa própria existência - quantas vezes não encarnamos papeis no nosso dia a dia, afinal -, mas a levando a uma situação limite. Pobreza? Todos teremos, financeira, de espírito. Geração de repulsa? Basta não nos comportarmos ética ou moralmente de forma aceitável. Morte? Todos enfrentaremos. Medos? Idem. O dia de Oscar pode ser comparado a toda uma vida - suas alegrias, frustrações, anseios -, sendo os personagens, de forma metalinguística, funcionando como uma válvula de escape (aquilo para o que afinal, também se presta o cinema).
Divertindo por trazer ainda, aqui e ali, algumas mensagens sobre o absurdo da vida exibicionista em tempos de redes sociais (como no caso dos letreiros que, em um cemitério, solicitam uma visita ao site dos "mortos"), o filme ainda utiliza animais - macacos, cachorros -, para amplificar o aspecto irracional de nosso comportamento, muitas vezes alheios ao absurdo da experiência humana. Nunca fácil, o filme está o tempo todo mexendo com a nossa imaginação, nos fazendo buscar sentidos e conexões em sequências que não fariam feio em uma instalação de algum artista pós-moderno (como no caso da cena em que carros "conversam" entre si). Longe das soluções fáceis, a obra provoca, atiça, nos deixa curiosos. E mesmo quando parece mais lógica ou menos hermética, não abandona a iconoclastia e o desprezo pela arte previsível ou óbvia - e que seria capaz de fazer espectadores, como os do começo do filme, ficarem letargicamente paralisados.
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