terça-feira, 28 de abril de 2015

Disco da Semana - Cícero (A Praia)

É preciso que se diga que, após o lançamento do pretensioso, experimental e pouco acessível Sábado, álbum de 2013, havia uma expectativa toda especial para o novo registro do cantor e compositor carioca Cícero. Sábado era tudo aquilo que o seu primeiro disco, Canções de Apartamento, de 2011, não era: complexo, difícil e, em muitas medidas, irritante. Ao menos para o "ouvinte médio" - e eu, aqui, me incluo entre esses. Canções..., ainda que tivesse certo experimentalismo, era pop, sonoro, certeiro e recheado de hits que, até hoje, se mantém entre os favoritos dos fãs. É o caso das inesquecíveis Tempo de Pipa e Ensaio Sobre Ela que, não apenas representa(va)m um recorte fidedigno para aquilo que se convencionou chamar de "Nova MPB", como também eram o retrato de um artista em pleno estado criativo.

Pois o recém lançado A Praia, serve para "resgatar" esse Cícero que andava perdido pelas introspecções balbuciadas e excessivamente incompreensíveis do trabalho anterior, para recolocá-lo novamente no caminho daqueles que aprenderam a gostar dele não pelos recortes e fragmentos concretistas, que servem apenas como demonstração de um eventual virtuosismo, mas pela música pura e simples. Aquela que a gente gosta de cantar junto nos shows. Que nos acompanha. Que significa. Que nos faz mais leve a hora de limpar a casa ou de lavar a louça. Ainda que ninguém seja obrigado a agradar o público e muito menos as rádios - que todos nós sabemos que, atualmente, tocam qualquer coisa menos música (Univates FM, isso não é com vocês, tá?). Mas ficamos mal acostumados. E estamos felizes com o "reencontro".


Ainda assim, nunca é demais lembrar que se o trabalho, em sua aparência, tem uma "cara" mais acessível, é nos detalhes, nos barulhos, na colocação de um sopro aqui e ali, de um pianinho bem posicionado acolá, que Cícero continua se mostrando um artista de grande qualidade técnica, preocupado em explorar o melhor de suas influências - fruto da repetição da parceria com o produtor Bruno Schulz. A música título, por exemplo, não faria feio em um disco como o Amnesiac, do Radiohead, dado o seu instrumental pouco convencional e acabamento nada óbvio, com uma percussão quebrada, incomum. Já a melancólica, De Passagem, flerta com a música regionalista, especialmente pelo uso do triângulo. A divertida Isabel (Carta de um Pai Aflito), lembra Chico Buarque. E Cecília e a Máquina, cantada por Luiza Mayall, mais parece uma canção de ninar.

As letras são um espetáculo a parte e não tem como tema exclusivo o litoral - diferentemente do que ocorre com o ótimo Vista pro Mar, do capixaba SILVA. Cícero versa sobre a alegria de ir a praia depois de um convite inesperado, na faixa título; sobre as aflições de um pai que reza para que nada aconteça a sua filha, quando ela sai de casa, em Isabel; sobre um fim de tarde entre os arranha-céus, em Albatroz e até sobre o descompasso no tempo e no espaço provocado por um dia de chuva, em Soneto de Santa Cruz - Não teve som de obra / Não teve sol na sala / Choveu o dia inteiro lá em casa / Não teve pipoqueiro / Nem tristeza tava. O final, com a ótima Terminal Alvorada, encerra um disco curto em tempo - pouco mais de 30 minutos - mas grande em significados, especialmente em relação aos caminhos a serem tomados pelos artistas da música alternativa nacional. Salve Ciço!

Nota: 8,0


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