domingo, 12 de abril de 2015

Espaço do Leitor: Qual o Filme de Sua Vida?

Hoje o espaço do leitor é um pouco diferente do habitual. A amiga, professora e doutora em literatura Rosane Cardoso nos mandou um texto falando não de um filme apenas, mas fazendo um verdadeiro tratado sobre uma atriz que marcou a sua vida. E a escolhida foi a consagradíssima Bette Davis

A diva Bette Davis

"Não escrevo sobre um filme que marcou minha vida, mas sobre uma atriz: Bette Davis. Bette não se destacou no cinema pela beleza ou pelo corpo curvilíneo. O talento era pedra lapidada na vida mesma, nunca fácil para as mulheres, certeza decorrente, imagino, da infância e juventude difíceis. Quando olho para os filmes dela que revi inúmeras vezes, é difícil dizer qual deles prefiro. Alguns são deploráveis, é verdade. Mas como fã sempre arranja justificativas, acho que os ruins mostram que até os deuses são mortais, com o perdão do paradoxo. Arrisco-me a fazer uma pequena categorização, muito particular e nada cronológica:

No ranking Estou chegando, destaco Escravos do desejo, de 1934, dirigido por John Cromwel e coestrelado por Leslie Howard, ator que estouraria em 1939, como o chatíssimo Ashley, em E o vento levou, Bette encarna Mildred, uma garçonete sem escrúpulos ou ilusões, mas que justamente por isso engrandece o filme. Ela é, provavelmente, a primeira sociopata narcisista da telona. Uma delícia.

Do grupo Bette Diva despontam Jezebel, Perigosa e Perfídia. Como a “categoria” indica – e a crítica também – são as primeiras obras-primas de Davis. De fato, as três personagens são bem parecidas. Egocêntricas ou altruístas, geniosas ou calculistas, as protagonistas não fazem concessões diante do que querem. Um verdadeiro MBA.

O Chorem comigo compreende Tudo isso e o céu também, A estranha passageira e A solteirona. São grandes melodramas que, consequentemente, exigirão muitas lágrimas. O amor impossível e o sacrifício rondam a mulher misteriosa, distante, com um passado que a sociedade não perdoaria. Diante desta tríade, a cena que vale todos os ingressos do mundo: Bette e Claude Rains dividem um cigarro, sabendo que não podem ficar juntos: Don't let's ask for the moon. We have the stars. Maravilhoso...

Na sessão Poderosas e sozinhas coloco Vitória amarga, Mulher maldita, A carta, A grande mentira e A rainha tirana. Comentário? Bom, há coisas que queremos fazer, há outras que temos de fazer. Meu preferido? A carta: “Com todo o meu coração, eu ainda amo o homem que matei”.

Em Tarde de sábado se destacam A noiva caiu do céu, Dama por um dia e, o melhor, Satã jantou lá em casa. Valem cada minuto e são do tempo em que comédia romântica fazia algum sentido.

Em Fuck you, show business! estão três obras-primas da Bette, já no seu momento fênix, com muitos altos e baixos, tanto na carreira quanto na vida pessoal. Em A malvada (1950), Lágrimas amargas (1952) e O que terá acontecido a Baby Jane? (1962) a atriz dá o sangue e representa com conhecimento de causa os bastidores do entretenimento, em três fases da decadência artística. Clássica a cena da protagonista de Lágrimas amargas dirigindo bêbada por Beverly Hills, tendo um Oscar por companheiro. Detalhe: o prêmio pertencia, de fato, a Miss Davis. Outro presente do filme é a frase: Um bom filme é a única coisa de que preciso. Na mosca!

Da fase Ruim mesmo, só que é Bette: dá para comentar Nas garras do ódio, O aniversário, Com a maldade na alma e Alguém morreu no meu lugar? Melhor não. Há momentos realmente constrangedores... mas, se olharmos bem, sempre tem uma pérola escondida. Filmes para reavaliar. Mais ou menos.

O crepúsculo da deusa está de acordo com a cena: Baleias de agosto, história terna sobre a velhice e a solidão, filme quase bergmaniano. Tenho vontade de chorar de pena o tempo todo. Pena de mim e do cinema: ali estão três ícones: Bette, Price e Gish dando tchau. Lindo demais."


Então, difícil escolher um filme só não é mesmo?
Continuem participando aqui no Espaço do Leitor. Boa semana a todos!

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