quarta-feira, 17 de março de 2021

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Kolya: Uma Lição de Amor (República Tcheca)

De: Jan Sverák. Com Znedek Sverák, Andrej Chalimon, Irina Livanova e Ondrej Vetchý. Drama / Comédia, República Tcheca, 1996, 111 minutos.

Filmes com homens de meia idade, sem nenhuma experiência com crianças, que precisam lidar, inesperadamente, com pequenos, não chegam a ser exatamente uma novidade - e basta puxar pela memória para que nos lembremos de "clássicas" comédias hollywoodianas como Um Tira no Jardim de Infância (1990) e Operação Babá (2005), pra ficar em dois exemplos. No sensível e emocionante Kolya: Uma Lição de Amor (Kolja), obra tcheca que venceria o Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira na cerimônia de 1997, o tom é um pouco menos engraçado e muito mais comovente - ainda que a linha geral seja sendo a do sujeito meio mal humorado que vai ter o seu coração amolecido pela convivência forçada com um menino. O que ocorrerá não por circunstâncias prosaicas do cotidiano e sim por exigências que envolvem o contexto político e social da então Tchecoslováquia que, à época - a trama se passa em 1989 -, era ocupada pela União Soviética.

É nesse cenário que somos apresentados ao professor Franka (Znedek Sverák), um renomado solista de violoncelo que perde a sua posição na orquestra filarmônica após a ocupação comunista. Não tendo escolha para manter os boletos em dia ele se torna músico de funerais, realizando ainda outros bicos (como o de pintor de lápides) para tentar sobreviver. Mas a oportunidade de colocar as dívidas em dia surge quando o coveiro Broz (Ondrej Vetchý) lhe faz uma inusitada proposta: casar-se de fachada com uma jovem russa que deseja obter a cidadania tcheca, o que lhe possibilitará driblar as exigências do Partido Comunista. Só que, uma vez realizado o trambique, a nova esposa simplesmente desaparece, emigrando com seu amante para a Alemanha Ocidental. Pior, deixando para trás o jovem Kolya (Andrej Chalimon), um menino de apenas cinco anos que fica sozinho após o falecimento da avó, vítima de um AVC. Único "parente", caberá a Franka a responsabilidade de cuidar do pequeno. E, bom, aí temos um filme.

Só que diferentemente das comédias americanas que fazem um humor mais físico, tirando muito da graça do conflito geracional e do caos instaurado pelos pequenos - isso me fez lembrar também outro clássico da Sessão da Tarde, o impagável Três Solteirões e Um Bebê (1987) -, a tensão aqui se dá muito mais pela completa mudança do estilo de vida de Franka, um solteirão convicto de quase 60 anos de idade que jamais imaginou em sua vida ser pai, que agora se depara com uma inesperada responsabilidade. Mesmo com problemas financeiros, o protagonista é uma espécie de bon vivant, que gosta de "namoros" descompromissados, enquanto ocupa seu tempo tocando em seu decrépito apartamento, povoado por pombos que, de forma inusitada, afiam seus bicos no parapeito da janela. Enquanto solicita apoio do serviço social local, Franka vai aprendendo a lidar meio na marra com o curioso, taciturno, mas extremamente expressivo menino - e não é preciso ser nenhum adivinho para saber que desse combo meio a contragosto, sairá uma bela amizade.

Não bastasse a estrutura narrativa bastante clássica e a crítica a um regime estatizante que sufocava os habitantes da Tchecoslováquia - sendo possível ver, aqui e ali, tanques e soldados russos espreitando pela vizinhança -, a obra do diretor Jan Sverák também comoveu as plateias mundo afora pela certeira mistura entre música, arte, amizade e poesia. Algo capaz de formar um coletivo revolucionário que é complementado pela belíssima paleta de cores da fotografia, pelo bucolismo das tomadas em meio a árvores e outros aspectos da natureza e pelas tomadas de câmera de grande sensibilidade. Em um filme sobre um homem que precisa proteger um pequeno do mundo que o rodeia, é fundamental que torçamos pela dupla - e o carisma e a química entre ambos nos faz rir e chorar muitas vezes na mesma cena, como na inesquecível sequência em que Franka se "perde" de Kolya na estação de metrô. Em tempos tão duros como os que vivemos, essa pequena obra-prima europeia ainda nos lembra da importância do respeito às diferenças, especialmente em um contexto de polarização política. É possível, afinal conviver com o diferente. E, aceitá-lo. Assim como o nosso protagonista aceita a condição que lhe é imposta.

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