De: Can Ulkay. Com Çağatay Ulusoy, Emir Ali Dogrul e Turgay Tanülkü. Drama, Turquia, 2021, 96 minutos.
Talvez não seja exagero dizer que a Netflix talvez tenha oficializado de vez o movimento que eu, aqui, me atrevo a chamar de Novo Cinema Turco, dada a grande quantidade de obras do País que estreiam na plataforma, muitos deles com um bom apelo de público. Nesse sentido, filmes de caráter meio universal passam só de raspão por questões políticas e sociais locais, o que faz com que os cinéfilos de todo o globo se sintam representados por aquilo que assistem. Em muitos casos trata-se de dramas meio novelescos, com reviravoltas emocionantes, realizados com grande apuro técnico - seja com o uso de uma fotografia viva, ângulos de câmera modernos e desenho de produção elegante. Foi este o caso, por exemplo, dos incensados Milagre na Cela 7 (2019) e Mucize (2015). O expediente se repete agora com o recente Filhos de Istambul (Kaggitan Hayatlar). Sim, o País asiático é desde sempre um polo a ser explorado e a plataforma de streaming sabe disso. Assim como sabe que nem só de Fatih Akin e Nuri Bilge Ceylan - e seus filmes de festivais -, vive o cinéfilo médio.
Só que o problema da grande abundância da oferta de obras meio genéricas deste ou daquele País acaba sendo o caráter meio derivativo destas. Se por um lado o cinema pungente e político do já citado Akin pode afugentar o fã de cinema médio, por outro, obras excessivamente palatáveis e não muito inovadoras podem soar apenas escapistas - ou carentes de "vigor". Vejam bem, não é que a obra do diretor Can Ulkay seja ruim. Bem longe disso. Aliás, ela tem uma série de bons e inspiradores momentos, ainda que um olhar mais atento seja o suficiente para que desvendemos os segredos por trás do catador de papel que decide ajudar um garoto de cerca de oito anos que mora nas ruas. A meu ver, o grande problema de uma obra como esta reside em sua crise de identidade. Ao tentar ser excessivamente global, peca por esquecer as questões locais. E, o pior: em alguns instantes ainda torna tudo mais complicado ao romantizar a pobreza ou a vida de abandono.
Mas, enfim, posso também só estar sendo ranzinza e, ok, quanto a isso. O filme não me pegou tanto e não há problemas, já que cada um viverá a experiência cinematográfica a sua maneira. Sobre a trama em si, eu já pincelei ela ali no segundo parágrafo: o protagonista é Mehmet (Çağatay Ulusoy), um sujeito de trinta e poucos anos que coordena um coletivo de catadores de papelão e que está juntando dinheiro para conseguir um transplante de rim - aliás, ele sofre bastante com isso e seu comportamento meio autodestrutivo não parece ajudar muito. Em uma das rotinas de coletas, quase ao final do expediente, ele percebe que dentro de um carrinho de um de seus catadores, ficou o já citado menino, que recebe o nome de Ali (Emir Ali Dogrul). Com medo de retornar para casa onde apanha do padrasto e tem uma relação conturbada com a mãe, o pequeno acaba sendo "adotado" por Mehmet. E será essa nova vida adaptada que acompanharemos.
Com grande apuro técnico, o filme se vale de ótimos ângulos de câmera, de uma trilha sonora bem pontuada e de uma montagem enérgica para conferir certo dinamismo à narrativa. A paleta de cores bastante florida dos dias - até as cenas de becos com roupas penduradas em meio à metrópole formam uma composição agradável -, confere um caráter meio primaveril ao projeto (mesmo nas cenas tensas em que há fugas ou brigas os tons são quentes, vivos). Só que a narrativa em si é uma repetição de atos em que Ali sente o peso do abandono permanente - e o medo de, novamente, em sua nova "família" ser deixado de lado. E lá pelas tantas o que era uma obra pra comover, vai se tornando um mero aborrecimento. O terço final surge oxigenado, muito mais pelo trabalho de fotografia, edição e trilha sonora (sério, o padrão é quase hollywoodiano) do que pelos acontecimentos em si. O que não tira o mérito dos esforços de produção cinematográfica fora dos grandes polos.
Nota: 5,5
Achei um ótimo filme.
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