De: Hal Ashby. Com Ruth Gordon, Bud Cort, Vivian Pickles e Charles Tyner. Comédia dramática, EUA, 1971, 91 minutos.
Colorido, psicodélico, divertido e melancólico em igual medida. A aparente incompatibilidade dos adjetivos ajuda a dar uma dimensão da complexidade do maravilhoso Ensina-me a Viver (Harold and Maude) - uma das tantas obras-primas do diretor Hal Ashby e que hoje em dia é cultuada pelos cinéfilos de uma forma quase comovente. Prestes a completar 50 anos de seu lançamento, o filme segue como uma excêntrica experiência que questiona padrões - especialmente de relacionamentos -, ao mesmo tempo em que discute temas como vida, morte, passagem do tempo, religião e até mesmo o absurdo do comportamento armamentista. O começo dos anos 70 representaria a década em que os norte-americanos assistiriam o arrefecimento da Guerra do Vietnã, impulsionado também pelas políticas de não violência dos grupos hippies que adotariam o flower power como ideologia.
Nesse sentido, é possível afirmar que todo esse sentimento está presente no filme, que conta a história de um jovem de 20 anos obcecado pela morte (Bud Cort), que se apaixona por uma idosa prestes a completar 80 anos (Ruth Gordon), mas que tem uma vitalidade e um encanto pela vida que são contagiantes. O ponto de intersecção entre eles é a predileção por frequentar funerais, ainda que por motivos diferentes - o que dará início a amizade. Só que enquanto Harold ocupa os seus dias simulando maneiras aleatórias de se suicidar como forma de chamar a atenção de sua distraída mãe (Vivian Pickles) - o que rende um sem fim de cenas tão hilárias quanto soturnas -, Maude esbanja anarquia, vivendo cada dia de forma despreocupadamente sedutora, como se não houvesse amanhã. O que inclui sequências de roubos de carros, fugas aleatórias da polícia e outras traquinagens que deixarão o jovem completamente arrebatado.
Fazendo uma brincadeira com a convenção que diz que a nossa idade está "na cabeça", Maude quase chega a trocar de papel com Harold que, com seu irresistível pessimismo e sua melancolia edipiana, vê na idosa uma espécie de compensação pela mãe ausente - e os ecos freudianos surgem, aqui e ali, em consultas com um terapeuta que auxilia o rapaz em sua recuperação. Trata-se ao cabo de uma obra curiosa, excêntrica, que aproveita a sua temática imprevisível para fazer todo o tipo de crítica às convenções sociais e aos padrões impostos pela sociedade. O que pode ser visto, por exemplo, na persistência da mãe de Harold em tentar lhe arrumar uma namorada - as tentativas beiram a caricatura -, ou mesmo na inacreditável e iconoclasta sequência em que Maude se "finge" de pacifista para ser (falsamente) agredida por Harold, enquanto o seu tio militar persegue a dupla.
Burlesco, iconoclasta e eventualmente histriônico, o filme percorre cada uma das suas sequências na companhia da trilha sonora de músicas de Cat Stevens - e as letras de canções como Where do The Children Play, Tea Fot The Tillerman, On The Road To Find Out e Don't Be Shy acabam por ser o complemento perfeito para a narrativa de ares tão primaveris quanto sombrios que acompanhamos. Com belas tomadas - os planos aéreos com imagens do cemitério ou mesmo aquele que envolve um belíssimo pôr do sol -, o filme nos deixa de coração quente por nos fazer perceber que o amor (ou, vá lá, o afeto) pode surgir em nossas vidas num instante, dando significado e sentido as nossas existências de uma forma quase inexplicável. Completamente esnobado no Oscar daquele ano, Ensina-me a Viver receberia a justa homenagem mais tarde aparecendo em 45º lugar na lista de Melhores Comédias Americanas da História, de acordo com o American Film Institute (AFI), além de figurar em destaque em livros como o dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer. Simplesmente apaixonante.
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