quinta-feira, 18 de março de 2021

Cinemúsica - O Homem do Futuro

De: Cláudio Torres. Com Wagner Moura, Alinne Moraes, Gabriel Braga Nunes e Maria Luisa Mendonça. Comédia / Ficção Científica, Brasil, 2011, 106 minutos.

"Todos os dias quando acordo / Não tenho mais o tempo que passou / Mas tenho muito tempo." Devo confessar a vocês que sou absolutamente fascinado pela mistura de comédia, romance e ficção científica que o diretor Cláudio Torres utiliza em muitas de suas obras e não é diferente com o maravilhoso O Homem do Futuro. Prestes a completar dez anos de seu lançamento, a obra estrelada por Wagner Moura e Alinne Moraes é um tour de force nostálgico em que o tema das viagens no tempo é atualizado para a realidade brasileira, com ótimos efeitos especiais, diálogos espirituosos, piadas divertidas e excelentes escolhas para a trilha sonora. Admito que enquanto revisitava o filme - lembrava da paixão provocada por ele, no agora distante 2011 -, ainda não sabia bem em quadro aqui do Picanha o incluiria. Por estar disponível na Netflix poderia ser uma Pérola do streaming. Ou será que ele ficaria melhor colocado nos Grandes Filmes Nacionais? Só que enquanto acompanhava as desventuras de Zero (Wagner Moura) e Helena (Alinne Moraes), me dei conta do poder da música dentro dessa pequena joia do nosso cinema.

Aliás, talvez seja exagero da minha parte, mas eu arriscaria dizer que a obra conseguiu reposicionar a canção Tempo Perdido da Legião Urbana, quase a elevando a um outro patamar, exatos 25 anos depois de seu lançamento, bem nos anos em que a nossa Pátria se libertava do longo período de Ditadura Militar. Repaginada para o filme, a música - talvez antes imaginada por Renato Russo como um grito de independência de um contexto político que, agora, ficava para trás (era preciso recuperar o "tempo perdido", "olhar para frente" e "deixar a luz ligada mesmo que não tenhamos medo do escuro"), passa a ter ares oníricos, quase de sonho, com ecos, efeitos enfumaçados e outras trucagens que vêm a fortalecer a narrativa do sujeito inteligente, mas, meio sem graça, que é humilhado pela garota mais bonita da faculdade em uma noite despretensiosa de festa, no ano de 1991. Quando "surge" em cena, a canção é evocada de forma meio confusa, entortada, ilusória, fantasmagórica. Lembra quando Non, Je Ne Regrette Rien da Edith Piaf surge nos devaneios do personagem do Leonardo Di Caprio em A Origem (2010)? Pois é, o efeito é mais ou menos o mesmo.

Agora, passados 20 anos do ocorrido, Zero se tornou um cientista arrogante e debochado, que ocupa seus dias como professor de alunos que, ele mesmo, qualifica como "bando de debiloides". Ainda traumatizado pela fatídica noite da festa - onde ele é enganado por Helena e por um certo Ricardo (Gabriel Braga Nunes), que também tem algum tipo de interesse na moça -, o protagonista recebe a notícia de que está prestes a ser demitido. Sem alternativa, ele aciona um acelerador de partículas experimental, que ainda não foi concluído, que será capaz de fundir o espaço/tempo, fazendo com que retorne justamente para a noite da festa em que sofreu a humilhação. Seu objetivo, tal qual um Marty McFly de De Volta Para o Futuro (1985) será alterar o passado, escapando do ultraje sofrido. Mas será que modificar o que já se viveu pode ser a saída para uma vida melhor? Será que os sofrimentos passados, as dores superadas não podem nos ajudar a enfrentar de frente os nossos problemas? Mudar o destino pode ser o sinônimo para uma vida realmente feliz?

Com uma série de lições sobre tempo, memória, experiências e superação, a narrativa é costurada com uma série de gags divertidas, que se alternam com momentos bastante comoventes. Ao voltar para o passado, é uma graça ver o cuidado do desenho de produção, que coloca um telefone celular de proporções enormes na mão de uma pessoa que circula na rua. Em compensação, quando retorna para o tempo "presente", com a alteração concretizada, Zero se depara com uma vida acinzentada e tecnológica, tão luxuosa quanto degradante - como comprovam seus crimes com a Receita Federal. Só que nessas idas e vindas no tempo o destaque mesmo é a música. Além da onipresença de Tempo Perdido, que ressurge um bom punhado de vezes pontuando a narrativa, há ainda By My Side do INXS, Reflections Of My Life do Marmalade e It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine) do REM, além de uma versão bem apropriada de Creep, do Radiohead, cantada pelo próprio Moura. O Homem do Futuro é um filmaço: leve, bem humorado, capaz de gerar saudade de algum tempo que vivemos e não sabemos situar bem. Mas a meu ver a obra se torna ainda melhor e maior pelo bom uso da música. 

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