terça-feira, 9 de março de 2021

Grandes Filmes Nacionais - Todas as Mulheres do Mundo

De: Domingos de Oliveira. Com Paulo José, Leila Diniz, Ivan de Albuquerer, Joana Fomm e Flávio Migliaccio. Comédia dramática, Brasil, 1966, 89 minutos.

É muito provável que um filme como Todas as Mulheres do Mundo sequer saísse do papel nos dias de hoje, já que ele seria "cancelado" já na origem. Aliás, como foi cancelada a minissérie que revisitou a obra do diretor Domingos de Oliveira e que está disponível na Globoplay. Mas assistindo o filme com o distanciamento necessário - estamos falando do meio dos anos 60 e do período que dá início ao golpe que instaurou a Ditadura Militar no Brasil -, é possível encontrar uma obra desvairadamente debochada sobre um jornalista bon vivant e mulherengo, um tipo de machista bastante estereotipado que, naquela época, ainda era aceito com naturalidade. Sim, na atualidade uma figura como o protagonista Paulo (Paulo José) receberia uma série de textões e de notas de repúdio nas redes sociais. Naqueles tempos era apenas o homem de classe média carioca, que ama todas mas, que se vê arrebatado pelo charme irresistível de Maria Alice (Leila Diniz), uma jovem professora que é noiva do amigo Leopoldo (Ivan de Albuquerque).

Divertidíssima, a obra já começa com uma montagem sedutora em que fotografias, gravuras, obras de arte e outras figuras se intercalam na tela em meio a uma trilha sonora circense, enquanto a narração em off dá conta de como o amor soterra a liberdade e de como um homem feliz é um homem só. "O amor castra a autoiniciativa, destrói a individualidade, leva a fraqueza. O amor não dá pé", filosofa Paulo, que até se admite um sujeito feio, mas que coleciona centenas de amores. Esse é o ponto de partida que culminará num encontro fortuito com o amigo Edu (Flávio Migliaccio), onde o protagonista relatará os fatos que lhe envolveram em uma "falseta" - uma espécie de deslealdade, de traição. E tudo tem início em uma festa de final de ano em Paulo conhece Maria Alice, se apaixonando perdidamente. Da conquista, ao namoro até chegar ao casamento, o jornalista desfilará por todas as etapas erradas ou certas de um relacionamento, seus altos e baixos e de como devemos nos adaptar para o sucesso de uma vida a dois.

Sim, eu não me esqueci de que o filme é machista, mas ele também não deixa de ser sincero. Afinal de contas, figuras como Paulo não existem ainda nos dias de hoje? A meu ver seria até hipocrisia ignorar esse tipo de sujeito, que engana mulheres, é hedonista e que está preocupado apenas com a sua felicidade. De qualquer maneira confesso que me diverti com a obra, que é construída como uma série de episódios que fluem com alguma lentidão, navegando no limite entre a linguagem da Nouvelle Vague num encontro com a filmografia de Ingmar Bergman - algo reforçado pela fotografia em preto e branco e pelo caráter evocativo dos diálogos. Na cena da biblioteca, por exemplo, é possível se divertir com os esforços de Paulo que beiram à canastrice para atrair a atenção de Alice. Ao passo que sequências como a da boate, ou do encontro do protagonista na casa das primas, mais parecem extraídas de algum tipo de delírio felliniano.

Sim, porque se aceitamos numa boa o comportamento fútil do Marcelo Rubini vivido por Marcelo Mastroiani em A Doce Vida (1960) - que por coincidência também é um deslumbrado jornalista -, porque teríamos de encarar de forma diferente a atitude profana e de pura celebração da vida de Paulo? Sim, é certo que a película não faz concessões na hora de amenizar a misoginia, mas encaro Todas as Mulheres do Mundo como um justo veículo escapista em que tempos duros se avizinhavam no Brasil. Se apaixonar, afinal de contas, não seria buscar algum tipo de leveza perdida? Ir para a praia, convidar "mil pessoas" para um encontro, tomar um banho de mar, beijar e namorar não poderia representar algum tipo de fuga? Eu particularmente me regozijei com a sequência em que Paulo avisa todos os seus "outros amores" de que está apaixonado por Alice - com destaque para a sequência em que ele entra em um estúdio de TV disfarçado de árabe, apenas para conversar com uma de suas mulheres. Sim, é datado, é provavelmente ultrapassado e hoje em dia cancelado. O que não impediu o filme de figurar entre os 100 Melhores Filmes Brasileiros da História, em uma justíssima 37ª posição.

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