quinta-feira, 3 de maio de 2018

Cinema - Em Pedaços (Aus Dem Nichts)

De: Fatih Akin. Com Diane Kruger, Numan Acar, Denis Moschitto e Johannes Krisch. Drama / Suspense, Alemanha / França, 2017, 106 minutos.

Os filmes do diretor Fatih Akin (Contra a Parede, 2004) nunca são fáceis. Mesmo em obras de temática mais "leve" - caso de Soul Kitchen (2009), por exemplo - sempre parece haver, nas entrelinhas, um certo desencanto com a sociedade em que vivemos, tão individualista, intolerante e, especialmente, preconceituosa. Com Em Pedaços (Aus Dem Nichts), trabalho que faturou o último Globo de Ouro na categoria Filme em Língua Estrangeira, não é diferente. Na obra somos apresentados ao casal Nuri (Numan Acar) e Katja (Diane Kruger), que leva uma vida tranquila e confortável ao lado do filho Rocco, em Hamburgo, na Alemanha. Em um certo dia Nuri está com o filho no escritório em que trabalha, quando sofre um violento atentado: uma explosão criminosa que acaba com a vida dos dois, além de ferir outros tantos. Não bastasse a dor sem sim sofrida por Katja, ela ainda deverá compreender os motivos que levaram ao ato, lutando nos tribunais por justiça.

Em Pedaços é um filme doloroso porque, mais atual do que nunca, traz a baila um dos tantos problemas da modernidade e dessa "crise global" que insiste em permanecer: o do renascimento de uma extrema-direita odiosa e conservadora que, legitimada por aberrações políticas como o presidente norte-americano Donald Trump, faz brotar grupos neonazistas e xenófobos que não hesitarão em levar a cabo seus planos doentios. Nascido na Turquia, Nuri já havia cumprido pena por tráfico de drogas e batalhava para ser reintegrado à sociedade. Para aqueles que tem a intenção de limpar a sociedade e para os quais "bandido bom é bandido morto", Nuri representava um peso. Especialmente para as "famílias de bem germânicas" que, saudosas do modelo Adolf Hitler de gerir, preferem o assassinato daqueles que estão em desacordo com o seu padrão racial. Sim, não demora para que a investigação perceba estar diante de um crime de ódio.


Após alguns dias de investigação, a promotoria acredita ter chegado ao casal que possa estar por trás do crime. Só que provar a culpa dos réus fazendo o júri branco e alemão acreditar na viúva de um estrangeiro com antecedentes criminais, será a segunda parte da dor de uma já inconsolável Katja. E que lhe devastará de forma absolutamente irreversível. Por mais que as evidências sejam muitas - impressões digitais nos artefatos utilizados, ausência de um álibi consistente e a adoração a partidos neonazistas nas redes sociais - tudo é muito nebuloso, por mais que o advogado Danilo (Denis Moschitto) - que auxilia Katja no caso -, se mantenha otimista. Especialmente após o depoimento de Jürgen (Ulrich Tukur), pai de um dos jovens que garante ter cortado relações com o filho, por divergências político-ideológicas.

Não é por acaso que esta é uma das sequências mais interessantes da obra de Akin - uma espécie de "choque da gerações ao contrário". Como entender esse sentimento inexplicável (e violento) que parece mover toda essa nova geração bem alimentada e bem vestida, que tem acesso a tudo (inclusive a educação), mas que não suporta a convivência com negros, pobres, gays ou dependentes químicos - ou, no caso dos neonazistas, qualquer pessoa que não seja da raça ariana? Katja perde o filho (e o marido) em uma explosão orquestrada por um grupo que semeia o ódio. Já para Jürgen, se deparar com os atos praticados pelo filho é sentir como se este também o tivesse perdido. São dois tipos de perdas. Ambas dolorosas. Tanto que a sequência em que  Katja e Jürgen conversam em um dos intervalos do julgamento, na parte externa do tribunal, é uma das mais comoventes da película. Há uma compreensão da dor que chega a ser palpável.


Filmado por Akin com uma fotografia sempre acinzentada, capaz de dar conta do estado de espírito da protagonista e daqueles que estão ao seu redor, a obra ainda conta com excelentes trilha sonora - canções do Queens Of The Stone Age embalam algumas sequências - e interpretações. O ator Johannes Krisch, por exemplo, encarna o advogado de defesa de forma propositalmente rude e descortês, transformando o seu comportamento e a sua expressão dura e asquerosamente caricata em uma espécie de extensão dos modos daqueles que ele defende. Já Diane Kruger está comovente como a protagonista, fazendo com que a gente torça por ela (e por justiça) o tempo todo. Especialmente no terço final, quando ela resolve levar o paradoxo de Karl Popper ao limite, decidindo pelo direito de não tolerar os intolerantes. Arrebatador.

Nota: 8,5

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