segunda-feira, 4 de maio de 2020

Pérolas da Netflix - Milagre na Cela 7 (7. Koğuştaki Mucize)

De: Mehmet Ada Öztekin. Com Aras Bulut Iynemli, Hayal Köseoglu, Celine Toyon, Deniz Baysal e Ilker Aksum. Drama, Turquia, 2019, 132 minutos.

Vamos combinar uma coisa: se você está ansioso, deprimido ou fragilizado pela quarentena, não assista Milagre na Cela 7 (7. Koğuştaki Mucize). Ao menos não agora. Esse filme pode esperar um pouco, porque o troço é PESADO. Você vai chorar, considerar o mundo injusto, vai querer abraçar as pessoas. E você não pode fazer nada disso, né, estamos no meio de uma pandemia. Mistura de Uma Lição de Amor (2002), com A Espera de Um Milagre (1999), a trama nos apresenta a um homem com deficiência intelectual - seu nome é Memo (Aras Bulut Iynemli) -, que vive com filha Ova (Hayal Köseoglu) e com a avó Fatma (Celine Toyon) em um vilarejo da Turquia militarizada dos anos 90. Apesar de toda a dificuldade - Memo é adulto, se comporta como se fosse uma criança de sete anos -, tem um relacionamento bastante amoroso com a filha, auxiliando ainda a avó em serviços como o pastoreio de ovelhas e a comercialização de maçãs do amor em eventos locais.

Em um certo dia uma fatalidade envolvendo a filha de um militar fará com Memo seja acusado, injustamente, de ter assassinado a menina. Incapaz de compreender a natureza daquilo que lhe está sendo imposto, o homem será enviado pra uma prisão: apanhará muito. A toda a hora. Dolorosamente. E será condenado à forca. É especialmente no começo do filme que ocorrem algumas das sequências mais comoventes, quando Memo apanha da polícia, dos carcereiros, do regime e dos outros presos por ter estampada na sua testa a inscrição "assassino de criança". Mas os dias passarão e os demais presos perceberão, aos poucos, que Memo é um pouco "diferente" dos criminosos comuns. Ele não parece ser uma pessoa inequivocamente maldosa: ao contrário, aprecia a natureza, se empolga com as coisas simples - como uma música tocada -, tem sensibilidade e se mostra disposto a fazer amizades. Não é um psicopata. E essa sensação se amplia quando surge a possibilidade de haver um álibi: uma testemunha que pode ter presenciado o que realmente aconteceu no fatídico dia.


O filme tem feito sucesso na Netflix porque ele tem uma estratégia bem conduzida de nos levar permanentemente às lágrimas. Memo se comporta como se fosse o "Tonho da Lua". E o carisma de Iynemli faz com que, em cinco minutos, já estejamos afeiçoados por ele, por suas expressões faciais, por seu sorriso ingênuo, por seus trejeitos. É uma baita interpretação, que não seria suficiente se não houvesse química com Ova. E há: a gente deseja com todas as forças que eles consigam ficar juntos ao final. Que a justiça seja feita de alguma forma. Que o milagre se concretize. Hábil em apresentar os militares como figuras ambíguas (eles não são maldosos o tempo todo, sempre haverá aqueles que podem estar dispostos a quebrar a corrente de injustiças sociais, o que rompe com o maniqueísmo), o filme ainda tem méritos por humanizar os presos (a cena em que cada detento conta qual é a sua "doença" para Ova é uma joia) e por apresentar uma professora como contraponto ao belicismo permanente dos militares. Aliás, algo que não surpreende, já que o conhecimento, a educação e o estudo são, muitas vezes, a corrente oposta da beligerância e da violência.

Sem vergonha alguma de utilizar a trilha sonora - que sobe nos momentos mais tensos ou emocionantes -, ou mesmo a câmera lenta como recursos técnicos que levam a narrativa a manipular as nossas emoções, o filme ainda estabelece, em suas frestas, um importante debate sobre a pena de morte e sobre o absurdo do linchamento imediato que resulta em julgamentos injustos. E, melhor: o filme ainda faz uma ponte entre o seu início e o seu final, com uma grande revelação que envolve a redenção de certo personagem. É tudo redondinho pra fazer você sair fungando da sessão, por mais que a obra se estenda um pouco mais do que o necessário - um ou outro corte em algumas cenas, poderia ter reduzido a película em uma meia hora. Mas nada que comprometa a história, que é cheia de sequências belas e melancólicas, como aquela em que Memo não entende o significado da expressão "amor à primeira vista" - tipo de abstração inalcançável para crianças de sete anos. Nessa hora, já estamos apaixonados pela narrativa, pelos personagens, pela história. À primeira vista.

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