terça-feira, 30 de junho de 2020

Tesouros Cinéfilos - Louca Obsessão (Misery)

De: Rob Reiner. Com Kathy Bates, James Caan, Richard Farnsworth e Lauren Bacall. Terror / Drama, EUA, 1990, 107 minutos.

Com Louca Obsessão (Misery) as configurações de "fã xiita" - aquele tipo obcecado pelo artista - foram definitivamente atualizadas com sucesso. E da forma mais apavorante possível! O filme do versátil diretor Rob Reiner (Antes de Partir) foi adaptada de um livro do Stephen King e nos apresentou a uma Kathy Bates tão delirantemente alucinada, que ela faturou o Oscar de Melhor Atriz por seu papel. Algo, diga-se, não muito comum em filmes de terror. Na trama, Bates é a enfermeira Annie, uma mulher solitária, devota de Deus e que é completamente apaixonada pela obra do escritor Paul Sheldon (James Caan), de quem se diz fã número 1. Por um daqueles "acasos" Annie Wilker será a pessoa que salvará Paul da morte após um acidente de carro, em um local isolado, em meio a uma nevasca. No chalé em que ela vive, tomará os primeiros cuidados para a recuperação de seu hóspede improvisado.

Só que o que inicialmente eram chazinhos, medicamentos e uma atenção quase maternal de Annie, vai aos poucos mudar de figura, quando ela começar a mostrar uma personalidade instável e intempestiva. Paul perceberá que se salvou da morte. Mas que as coisas não estão tão assim melhores. Tudo começa quando Annie passa a dar muitas desculpas sobre estradas fechadas (por causa da neve) e impossibilidade de fazer ligações telefônicas à longa distância. Sem poder falar com sua agente e seus familiares, o escritor se verá em uma espécie de prisão, em que o limite é a porta do quarto. E como se não bastasse a sensação de horror que parece aumentar a cada dia passado no local, tudo piora quando Annie descobre o manuscrito do último livro de Paul - que estava em sua bolsa. Autorizada a lê-lo, ela ficará completamente contrariada com o rumo dado a uma das personagens, na história. Bom, não é preciso dizer que o que já estava ruim, vai piorar.


Como se fosse uma mistura de Baby Jane (de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?) com Norma Desmond (de Crepúsculo dos Deuses), a enfermeira obrigará o sujeito a permanecer em sua propriedade até que entregue um livro que esteja satisfatório para ela. Enquanto os delegados locais tentam buscar alguma pista do Paul, ele vai sofrendo nas mãos de Annie, com torturas psicológicas que vão desde a queima do livro que seria entregue à editora até chegar a agressões físicas, como na famosa cena da marreta. Aliás, eu não li o livro de King, mas posso dizer que Reiner é hábil em construir o clima de terror crescente, transformando até mesmo cenas prosaicas (e excêntricas) como a da aparição do porco de "estimação" de Annie, em sequências absurdamente angustiantes. O que é reforçado pela alternância de humor da algoz, capaz de ir do sorriso dissimulado à seriedade taciturna em segundos (e são essas pequenas inflexões que, a meu ver, valorizam ainda mais a caracterização de Bates que, realmente, está assombrosa).

Tecnicamente, o filme também é formidável. O uso de contra-plongées - aquele recurso em que vemos o personagem de baixo para cima - reforça bem o caráter monstruoso de Annie, que sempre parece maior do que é, ao passo que Paul, por estar numa cama, sempre surge como uma figura menor, amedrontada. O desenho de produção (e até mesmo o figurino) contribui para que acreditemos naquela casa como um espaço claustrofóbico, sufocante, com corredores apertados, mobília velha e decoração obsoleta. Tudo parece antiquado, anacrônico, o que dialoga com a personalidade retrógrada de Annie - uma mulher que crê em Deus e que não aceita um tipo e literatura que subverta a lógica das convenções, especialmente as religiosas (ela não gosta, por exemplo, dos palavrões que surgem no último livro). Todos esses detalhes contribuem para que estejamos permanentemente apreensivos. Tudo é imprevisível e até dolorido - há uma cena envolvendo o xerife (o ótimo Richard Farnsworth) da cidade que é de partir o coração. Louca Obsessão completa 30 anos de seu lançamento em novembro e segue assustando, com Kathy Bates permanecendo para sempre como uma das mais inesquecíveis vilãs da sétima arte. Vale recordar!

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