sexta-feira, 26 de junho de 2020

Tesouros Cinéfilos - Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich)

De: Spike Jonze. Com John Cusacj, Cameron Diaz, Catherine Keener, John Malkovich, Charlie Sheen e Octavia Spencer. Comédia dramática / Fantasia, EUA, 2000, 112 minutos.

Vamos combinar: a vida não tem NENHUM sentido e talvez seja por isso que assistir a Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich) continue sendo uma experiência tão legal. Aliás, eu sempre gastei muito tempo da minha existência tentando achar algum significado secreto na obra do diretor Spike Jonze (Ela) e quase esqueço da melhor parte, que é simplesmente relaxar e se divertir. É uma obra completamente nonsense, que beira quase o delírio! Que brinca aqui e ali com o deslumbramento que temos diante de astros e estrelas do cinema e, vá lá, com aquele sonho quase irreal de nos tornamos alguém famoso ou importante. De alcançar o sucesso. Ver o mundo a partir da mente do ator John Malkovich, após entrar num tipo de portal metafísico existente em um excêntrico prédio comercial tem um pouco disso. De escapar da loucura do mundo para entrar em uma outra "loucura", que existe num universo paralelo, impossível, mas, curiosamente, verossímil.

Na obra somos apresentados ao titereiro Craig (John Cusack), que passa o dia manipulando - com extrema perícia, diga-se -, bonecos em apresentações ao ar livre, na rua. Um tipo de profissão que não dá muito dinheiro e que dá conta de um paradoxo, já que o sujeito parece incapaz de conduzir com habilidade a própria vida. Sua esposa é a desengonçada Lotte (Cameron Diaz, quase irreconhecível), uma garota cheia de energia, que se ocupa de cuidar do verdadeiro zoológico que o casal tem em casa - de calopsita a macaco. Na pindaíba, Craig vai em busca de um trabalho como arquivista, que fica no andar sete e meio de um prédio. No local todos devem andar curvados. O chefe tem 105 anos de idade. Sua secretária parece não compreender as frases com exatidão. E há uma colega de trabalho que desperta a atenção do nosso protagonista: a charmosa Maxine (a sempre ótima Catherine Keener).


Num dia qualquer de trabalho, Craig deixa cair algumas pastas atrás de um armário contendo arquivos-mortos. Ao tentar remover o material de lá, a descoberta: uma portinhola de um por um metro. Curioso, entra no espaço. Apertado, estranhamente "arenoso". É sugado pra dentro. E vai parar na mente do ator John Malkovich. Onde passa a enxergar tudo do ponto de vista do astro de Ligações Perigosas. Ensaios de teatro, banhos, outras atividades corriqueiras. Durante quinze minutos. Até ser catapultado de volta para o nosso plano, em um matagal, ao lado de uma rodovia qualquer. Surpreso com a excentricidade do ocorrido, Craig conta a novidade para Maxine. Resolvem ganhar dinheiro vendendo "entradas" para sujeitos aleatórios dispostos a entrar na mente do ator. Lotte descobre. Interfere. Passa a se conectar com Maxine por meio da mente de John. O casal se desestabiliza. A confusão está formada. E nós estamos, do outro lado, maravilhados com esse absurdo tão sem sentido quanto divertido.

Quando foi lançado, Quero Ser John Malkovich suscitou uma série de reflexões psicológicas, filosóficas, existenciais de quem o assistia. Aliás, segue suscitando, como comprova qualquer busca aleatória pelo filme, no Google. Sim, o corpo pode ser uma prisão em que precisamos aprender a lidar, assim como somos incapazes de manipular aquilo que sentimos. Há todo um jogo envolvendo a arte de ser titereiro com a completa incapacidade de guiar a própria vida tendo, pior de tudo, consciência disso. Talvez esse seja um dos aspectos mais claros. Mas prefiro pensar na obra roteirizada por Charlie Kauffmann como uma despropositada e divertida peça hollywoodiana que brinca com as convenções do gênero comédia, para nos fazer rir do inusitado. E isso pode ser comprovado TAMBÉM em piadas isoladas, que vão desde a incapacidade dos demais personagens de dizerem um filme estrelado por John Malkovich ou mesmo a reação rápida de desprezo de Maxine ao descobrir a "profissão" anterior de Craig. Quando filmou a obra, Jonze já tinha gravado videoclipes para os Beastie Boys, Weezer e Sonic Youth. A real é como se fosse tudo pro liquidificador e resultasse nessa loucura fílimica em que uma série de referências são reconfiguradas e transformadas em um dos troços mais esquisitos já feitos na meca do cinema. E nós seguimos adorando!

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