quarta-feira, 17 de junho de 2020

Novidades no Now/VOD - A Vastidão da Noite (The Vast of Night)

De: Andrew Patterson. Com Sierra McCormick, Jake Horowitz e Gail Cronauer. Fantasia / Ficção Científica / Suspense, EUA, 2020, 91 minutos.

A Vastidão da Noite (The Vast of  Night) é aquele típico filmezinho de baixo orçamento que te pega pela mão, te leva para uma série de lugares com potencial de exploração, te dá algumas respostas, mas te ganha mais pela jornada. É a legítima obra para a qual a expressão "eu não dava nada, mas me surpreendi", se presta. É despretensioso e bem realizado tecnicamente. Tem atuações satisfatórias, ótimos diálogos e "teorias" plausíveis. A ação toda se passa numa pequena cidade americana do meio do século passado onde, em certa noite, haverá um jogo de basquete local que inaugurará a temporada. O clima de "cidade pequena" em que todos se envolvem com tudo pode ser percebido já nos primeiros minutos, onde o radialista Everett (Jake Horowitz) é chamado para tentar auxiliar num problema técnico que envolve algum tipo de curto circuito na rede elétrica do ginásio local. O que poderia comprometer o jogo e a noite como um todo.

Não vai demorar para que a gente perceba que estes cinco minutos iniciais são apenas a desculpa para que sejamos aos poucos absorvidos pelas temáticas que a obra do diretor estreante Andrew Patterson propõe - e que vão desde a importância das comunicações (e do rádio) para as famílias americanas das décadas de 50 e 60, passando pelas inseguranças políticas do pós-guerra, até chegar no sonho puramente humano de estabelecer contato com outras dimensões, seres, povos, planetas. São temas que atraem - e não é por acaso que séries como Além da Imaginação e filmes como Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) pareçam homenagens óbvias. Quando Everett retorna para o rádio, ele se depara com um tipo de zumbido estranho que parece sair das ondas sonoras, em meio a música, algo meio confuso, modulado. Amiga dele, a jovem telefonista Fay Crocker (Sierra McCormick) também nota esta interferência nas ligações que deve encaminhar. Não apenas isso, recebe uma confusa chamada de uma mulher, o que só faz o mistério aumentar.


Aliás a obra, apesar de pequena, é muito hábil na construção da tensão. Mesmo quando não parece haver NADA acontecendo, a gente sente que está acontecendo TUDO. Esse é o caso, por exemplo, de um longuíssimo plano em que Fay recebe uma série de ligações, faz outras, em que tenta encontrar alguma lógica para o ruído estranho que escuta saído dos equipamentos gigantes da sala de telefonia. Liga para o rádio para ver se o amigo Everett pode lhe ajudar. Juntos, buscam sentido em algo, não se sabe o quê. Fay receberá uma ligação que poderá ser reveladora de algo. Tentarão fazer algum tipo de busca, de conexão, enquanto a cidade está entorpecida, paralisada, magnetizada pelo jogo de basquete que acontece. A catarse esportiva como um contraponto para a libertação de outros sentimentos reprimidos, guardados, sem que saibamos exatamente o quê. Não demora para que comecemos a nos perguntar se há alguma conspiração governamental em andamento, se há vida em outros planetas, se existem mais dimensões do que aquela em que estamos. Muitas perguntas. Jornada divertida.

E isto para um filme tão pequeno, confesso, é algo quase mágico. A capacidade de mexer com os nossos sentimentos, essa nossa ansiedade de buscas por explicações, para sentidos na vida, para aquilo que está debaixo da superfície, que nos escapa. Utilizando a parte técnica em favor da narrativa - observe como a escuridão da noite dessa cidade (toda filmada com luz natural) é sufocante, angustiante -, a película ainda conta com um dos mais ambiciosos tracking shots da história do cinema recente, saindo do local de trabalho de Fay, passando pelo ginásio em que o jogo ocorre, até chegar a estação de rádio em que Everett se encontra. Nostálgico, com uma organicidade e um naturalismo impressionantes (os diálogos são formidáveis), o filme não se furta em concluir de forma satisfatória aquilo que parece apenas especular durante uma hora e meia. Parece um episódio de série antiga, meio retrô. Parece Além da Imaginação. E é extremamente gostoso de assistir. Ótimo que festivais alternativos o tenham descoberto. Talvez tenha sido o que tenha chamado a atenção da Amazon, que o incluiu em seu catálogo.

Nota: 8,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário