segunda-feira, 8 de junho de 2020

Grandes Filmes Nacionais - O Quatrilho

De: Fábio Barreto. Com Patrícia Pillar, Glória Pires, Alexandre Peternost, Patricia Pillar, Gianfracesco Guarnieri e Cecil Thiré. Drama / Romance, Brasil, 1995, 113 minutos.

Por causa do filme O Quatrilho, o Brasil esteve entre os indicados na cerimônia do Oscar de 1996 na categoria Filme em Língua Estrangeira - viria a perder para o holandês A Excêntrica Família de Antônia (1995). Era a época da retomada do cinema nacional, com as produções voltando a figurar em festivais estrangeiros. Ganhando visibilidade. E consolidando a força de nossos filmes por pelo menos mais duas décadas, até a chegada do massacre à cultura que ocorre no atual governo - ainda que, paradoxalmente, as nossas produções sigam em alta conta no exterior, vide as vitórias de Bacurau e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão no mais recente Festival de Cannes. Sobre O Quatrilho, é possível afirmar que o filme de Fábio Barreto, baseado no livro escrito por José Clemente Pozenato, envelheceu relativamente bem. Há um quê de nostalgia naquele cenário do começo do século passado, no Rio Grande do Sul que, afinal, parece nunca sair de moda.

A trama nos joga para uma pequena comunidade da Serra Gaúcha, local em que imigrantes italianos iniciam as suas vidas - centrando as suas forças no trabalho e na manutenção da família. É lá que dois casais de "compadres" se unirão para adquirir uma área de terras com a intenção de cultivar milho, soja e uvas. Apesar do alto investimento, acreditam que com a construção de um moinho, poderão ter um retorno financeiro mais rápido. Do ponto de vista dos negócios, tudo parece fluir muito bem. O problema são as outras tensões. O que em uma comunidade fechada, conservadora, funcionará como um verdadeiro barril de pólvora pronto a explodir. O filme começa com o casamento de Angelo Gardone (Alexandre Paternost) com Teresa (Patricia Pillar). Eles se dão bem como amigos, mas na intimidade a coisa parece não ser das melhores. E quando Massimo (Bruno Campos) e Pierina (Gloria Pires) se juntam a eles em sociedade, bom, será questão de tempo para que as coisas saiam dos trilhos. Ou, dependendo do ponto de vista, se realinhem.


Como no popular jogo do quatrilho, em que ocorre uma troca de cartas a cada rodada, com a intenção de ficar com o naipe mais alto, Angelo a Massimo acabarão por fazer um intercâmbio meio "forçado" de esposas. A realidade é que Massimo e Teresa se apaixonam bem debaixo do nariz de Angelo e Pierina, que só percebem a traição quando o trem já partiu levando os adúlteros. Assim como no jogo de cartas jogados pelos imigrantes, é preciso buscar forças para recuperar aquilo que se foi perdido. O que Angelo e Pierina farão com persistência e carinho, sob o olhar desacreditado da comunidade. Aliás, o falatório alheio servirá para dar conta da hipocrisia não apenas da sociedade, mas também da Igreja. Considerados impuros, Angelo e Pierina se tornam abnegados. Renegados pelos demais. O que não lhes impedirá de crescer, especialmente com o apoio de parceiros de negócios como Batiston (Claudio Mamberti), Sichoppa (Arcangelo Zorzi) e o ótimo anarquista Iscariot (Pedro Parenti).

Sobre Iscariot, é interessante notar como o filme passa de raspão pelas questões políticas, mas sem julgar o certo e ou errado. Aliás, o filme até se permite um elogio à perseverança dos empresários do meio rural e sua luta pelo fortalecimento das comunidades do interior. Com uma belíssima fotografia, a obra toma de assalto as belas paisagens do interior gaúcho - as filmagens foram em municípios como Antônio Prado e Caxias do Sul -, utilizando-as em seu favor. O mesmo vale para o desenho de produção, que recria o período à perfeição, alternando o bucolismo do mato, das lavouras e das campinas com a cidade emergente, ainda de barro, em que modestas construções de madeira se sobressaem. No fim das contas O Quatrilho segue sendo uma obra simpática, bem humorada e sensual e que se empenha em desconstruir as convenções sociais estabelecidas pelas "famílias de bem". Hoje em dia a gente sabe, um casamento talvez não seja para sempre. Naquela época era um desafio que envolvia um mal estar comunitário. Ainda que o resultado final fosse a simples busca pela felicidade. Algo que, também nós, desejamos para as nossas vidas.

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