segunda-feira, 29 de junho de 2020

Picanha.doc - À Procura de Sugar Man (Searching For Sugar Man)

De: Malik Bandjelloul. Documentário, Reino Unido / Suécia, 2012, 86 minutos.

Se tivesse sido inventada por algum roteirista malucão de Hollywood, é bem provável que não acreditássemos na história REAL que assistimos no imprevisível, curioso e singelo documentário À Procura de Sugar Man (Searching For Sugar Man) - que faturou o Oscar em sua categoria na cerimônia de 2013. A gente já disse em postagens anteriores que a vida não tem absolutamente nenhum sentido e o filme de Malik Bandjelloul faz jus a essa ideia. Na trama somos apresentados ao talentoso cantor e compositor Sixto Rodriguez que, no começo dos anos 70, gravou dois discos sem muito sucesso, caindo pouco depois no ostracismo. Morador da cidade de Detroit, o sujeito de torna recluso, suscitando uma série de boatos e rumores - alguns deles absurdos, como aquele em que ele teria se suicidado em pleno palco, ateando fogo em si próprio. Um tipo de gesto de desespero, que funcionaria como uma reação iconoclasta à falta de reconhecimento pelo seu trabalho.

Tudo é muito nebuloso. Incerto. Em certa altura do documentário a história migra para a Cidade do Cabo, na África do Sul, onde Rodriguez se torna um ícone musical do tamanho - ou até maior - do que Bob Dylan ou Elvis Presley. Ninguém sabe ao certo como a música do cantor foi atravessar o oceano para chegar em outro continente, mas a melhor teoria é a de que alguém teria feito uma viagem aos Estados Unidos, tomado contato com um dos discos do artista e levado uma cópia junto consigo para a terra de Nelson Mandela. Tomada pela política do Apartheid, a África do Sul era um País muito fechado, conservador à época. Nesse sentido as músicas progressistas de Rodriguez, cheias de questionamentos ao status quo e às convenções sociais - ele era de uma família de proletários - caríram como bálsamo nos ouvidos da juventude. Ninguém sabia quem CACETA era aquele sujeito latino, de cabelos compridos, que se via na capa dos discos. Todos o amavam.


O filme narra como se formou a mitologia em torno da figura de Rodriguez em um local totalmente inusitado e distante de seu País de origem. As pessoas pensavam que ele estava morto. As histórias de suicídio em cima do palco pareciam convincentes. Até que um jornalista resolve ir atrás da verdade: ouve produtores, outros músicos, integrantes de gravadoras. E chega até a família de Rodriguez que, para surpresa geral da nação, ainda vive em Detroit, onde trabalha com construção civil. Convidado à ir a Cidade do Cabo, se depara com uma inacreditável comoção pública em torno de sua figura, que culminará em shows lotados, agendas repletas de entrevistas e muito carinho dos fãs não apenas direcionado a ele, mas a todos seus familiares. Rodriguez nunca "aconteceu" na América, a despeito de seu óbvio talento. Talvez tenha vendido meia dúzia de discos, ainda que as críticas à época tenham sido positivas. Foi encontrar seu público quase 30 anos depois. Além do oceano. Num desses inacreditáveis acasos.

Não bastasse ser uma obra misteriosa -  o jeito como Rodriguez é adjetivado no começo do filme é ótimo, com direito à metáforas sobre as ruas de uma Detroit melancólica e cinzenta em que emerge uma figura sisuda, taciturna, que cantava de canto, de costas -, a película ainda presta uma linda homenagem ao poder transformador da arte, sendo praticamente impossível não se emocionar ao assistir as surpreendentes apresentações lotadas do "astro" na Cidade do Cabo. O carinho genuíno dos fãs com ele, as sessões de autógrafos, as tatuagens pelo corpo (!) exemplificam o magnetismo de representar uma geração inteira em suas pautas, a partir da força das letras urbanas, que evocam temas como liberdade de expressão e capacidade de pensar de forma diferente. É um tipo de road movie meio torto, que nos deixa com um sorriso no rosto e que nos desperta a curiosidade para a enxuta obra de Rodriguez, composta apenas pelos álbuns Cold Fact (1970)  e Coming From Reality (1971). A boa notícia? Os trabalhos podem ser apreciados em plataformas como a Deezer, o que comprova que a obra do compositor está vivíssima. Assim como ele próprio que, aos 77 anos, segue trabalhando na construção - sem esquecer do amor dos fãs da África do Sul.

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