Se já não deve estar fácil fazer cinema no Brasil do golpe, imagina como deveria ser em meio a Ditadura Militar, com bem menos recursos e muita perseguição política. Pois a impressão que se tem ao se assistir a um filme como O Bandido da Luz Vermelha, é a de que o caos instaurado no País à época parece servir justamente como combustível para uma severa crítica a um Brasil de contrastes, altamente despolitizado e ao mesmo tempo efervescente no que diz respeito à cultura marginal - aquela mesma que sobrevive nas periferias e que, até hoje, clama por espaço. A obra de Sganzerla - um dos marcos da vertente conhecida como Cinema Marginal - é propositalmente caótica. Mistura diversos gêneros - faroeste, comédia, musical, documentário, ficção científica, drama - de uma forma absolutamente fluida, ainda que inegavelmente anárquica, confusa. Uma balbúrdia de sons, de colagens e de sequências que funcionam magistralmente como uma metáfora perfeita para a desordem de um País entregue a um sistema político corrupto e distante do povo.
"Trata-se de um faroeste do Terceiro Mundo" anuncia o narrador, que mais parece saído de um daqueles programas sensacionalistas que, hoje, vemos na TV - ao estilo de um "Datena da Era do Rádio". Esse mesmo narrador, acompanhado de outra repórter é que nos apresentará, ao estilo de um ensaiado e cômico jogral, ao tal bandido da luz vermelha do título - baseado na história real do criminoso João Acácio Pereira da Costa -, um assaltante misterioso (Villaça) que se utiliza de técnicas extravagantes para roubar casas luxuosas em São Paulo. Como uma espécie de Robin Hood misturado com o Alex de Laranja Mecânica, roubará dos ricos com a intenção de dar aos pobres - mas não sem antes dialogar longamente com as vítimas, envolvendo-as em seus jogos caricatos de violência, de estupro e de morte que, de acordo com a polícia que o persegue, lhe concederão 160 anos de prisão. Se é que ele será preso.
Perseguido pelo delegado Cabeção (Linhares), Luz - como é carinhosamente chamado - cruzará com diversas outras pessoas em seu caminho, deixando sempre um rastro de violência. A situação se modificará quando ele se apaixonar pela prostituta Janete Jane (Ignêz) - e, todos sabemos, o amor pode provocar reações inesperadas até do mais violento dos bandidos. Em paralelo a isso, o deputado J. B. Sobrinho, tido como um dos cabeças da organização conhecida como Mão Negra, segue em campanha política - ele pretende ser presidente do País, aparecendo em programas de TV, brincando com a frase "O petróleo é nosso" e prometendo dar fim à violência que assola o Brasil. (aliás, nesse sentido, chega a impressionar como a obra de Sganzerla, primeira de sua carreira e prestes a completar 50 anos de seu lançamento, se mantém atual)
Recheada de referências culturais - de Beethoven a O Pequeno Príncipe - Sganzerla realiza um filme bem ao estilo daqueles que Quentin Tarantino faria anos mais tarde, com muita violência, sadismo e bom humor. Misturando candomblé, naves espaciais e filme de gângster, pontua a obra com um engajamento político menos solene do que o dos diretores do Cinema Novo mas, ainda assim, não menos importante. Até hoje os letreiros luminosos debochados e cheios de tiradas antológicas são lembrados pelos cinéfilos, assim como as frases de efeito - "O Terceiro Mundo vai explodir", "Se a gente não pode fazer nada a gente avacalha, esculhamba". Mas o que fica do filme é não apenas a crítica social, mas também o olhar para o povo em geral (sofrido, resignado, desafortunado, mas nunca submisso). Luz poderia ser, no fim das contas, a alegoria para o sujeito que luta contra o sistema ou contra as instituições que o oprimem. Uma luta inglória que, todos sabemos, dificilmente terá final feliz.
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