quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Cinemúsica - Psicose

Lembro como se fosse hoje de um exercício proposto pelo professor Fábio Steyer - aliás, já vi ele dando pitaco aqui no blogue, sendo sempre muito bem-vindo -, em meio a disciplina de História do Cinema, lá no longínquo ano de 2004, no curso de Jornalismo da Univates. Nosso objetivo era analisar de que maneira a trilha sonora de um filme poderia tornar uma cena ou sequência ainda mais poderosa ou impactante, indo para muito além do apelo estritamente visual da película. O filme escolhido para o trabalho não poderia ser outro que não Psicose, do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Mais especificamente a fatídica cena do chuveiro.



Inicialmente, assistimos a cena sem trilha sonora. Engraçado como o silêncio, apenas acossado por um ou outro barulho externo de conversa de alunos ou mesmo de carros trafegando, de fato parecia tornar a cruel morte da personagem Marion (Janet Leigh) um pouco menos monstruosa, com o seu visual em preto e branco, cortes frenéticos e sangue de chocolate. No momento seguinte vimos a mesmo cena com som. E com o som quase no máximo! Juro que teve marmanjo saindo da sala para ir ao banheiro, em meio ao exercício. Brincadeiras a parte, qualquer fã de cinema sabe que a trilha sonora concebida pelo maestro Bernard Hermann é uma das mais conhecidas, imitadas, parodiadas e homenageadas da história da sétima arte. O que não é pouco, em um universo de tantas películas com composições inesquecíveis.

Hermann não era nenhum novato quando compôs a trilha sonora para Psicose. Já havia até ganho um Oscar em 1941 pelo seu trabalho na comédia O Homem que Vendeu a Alma, além de ter recebido indicações por outras películas, como Cidadão Kane. Aliás, assim como no caso de Hitchcock, Hermann era tradicional colaborador do diretor Orson Welles. Mas se tu perguntar pra qualquer cinéfilo, até mesmo para aqueles mais engajados, sobre a trilha de Cidadão Kane, poucos conseguirão entoar as notas que a compunham ou lembrar sobre a sua sonoridade. O mesmo desafio proposto sobre a trilha de Psicose e até aqueles que não são lá muito de cinema, serão capazes de reproduzir as estridentes notas, com direito a air knife (isso existe?) pra acompanhar a encenação.



Evidentemente que uma trilha sonora não é composta apenas por um ou outro número e quem já escutou a trilha toda, num exercício a parte, sabe que Psicose possui quase 40 temas. Com o uso de violino na maioria de seus "pedaços", o compositor equilibra bem momentos mais agitados, como os que envolvem perseguições ou mesmo cenas nas escadarias do hotel, com outros incrivelmente tenros, como os que envolvem as interações entre Marion e Norman Bates (Anthony Perkins) ou as cenas nos quartos e salas do hotel. Ainda que, no fundo, um ouvido mais atento perceba que até os momentos singelos parecem guardar uma tensão permanente que contribui para criar a aura do filme. E que explodirá no eco estridente da trilha sonora da sequência do chuveiro, que funciona com um grito que não foi dado, um lamento não proferido e o pavor penetrante, tal qual o de cada guinchada dada pelo vilão da trama e que a poderosa trilha parece emular num eco sonoro brilhante, a cada movimento.

Hitchcock fez muitos outros filmes (talvez) mais significativos para a história do cinema do que Psicose. Os críticos costumam citar Um Corpo que Cai, Intriga Internacional e Janela Indiscreta como alguns de seus momentos altos. Eu, além desses, particularmente gosto de demais de Pacto Sinistro (indico sempre), Pavor nos Bastidores, A Tortura do Silêncio, A Dama Oculta, Disque M Para Matar e Festim Diabólico. Isso só pra citar alguns! Mas foi com Psicose, com seu modelo arrojado, seu final surpreendente - hoje um padrão no cinema do gênero -, seus personagens misteriosos e marcantes, que Hitchcock alcançou um outro patamar, especialmente na sua relação com o público. E a tenebrosa cena do chuveiro, com seus poucos segundos que mais parecem uma eternidade, banhada pelos gritos secos do violino de Hermann, certamente tem parte nisso. NI NI NI!!!

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