segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Cine Baú - O Homem Elefante (The Elephant Man)

De: David Lynch. Com Anthony Hopkins, John Hurt, Anne Bancroft e Freddie Jones. Drama / Biografia, EUA, 1980, 125 minutos.

Triste constatar o fato de que vivemos em uma época em que a intolerância, o ódio e a falta de empatia - especialmente por aqueles que não conhecemos ou que são considerados diferentes - são disseminados diariamente, seja em fóruns online ou mesmo em calorosos debates no espaço público. Nesse sentido, um filme como O Homem Elefante (The Elephant Man), clássico de David Lynch, indicado a oito prêmios Oscar, permanece mais do que atual uma vez que reafirma, ainda que em formato de alegoria, a nossa total incapacidade de lidar aquilo que nos é estranho. Ou mesmo com sujeitos a margem da sociedade ou em vulnerabilidade social. E, no filme de Lynch, não estamos falando dos pretos, dos pobres, dos homossexuais, dos dependentes químicos ou de tantos outros grupos ignorados e agredidos pelas "famílias de bem". Aqui, a vítima do preconceito é um homem chamado John Merrick (Hurt), que sofre de uma grave doença: a neurofibromatose múltipla.

Por causa da doença, Merrick tem 90% do seu corpo deformado. Incapaz de trabalhar e de conviver socialmente, dada a sua aparência, o desafortunado sujeito recebe o apelido de "homem elefante", sendo exibido em apresentações itinerantes que o vendem como um monstro. Só que Merrick não possui nenhum tipo de deficiência mental - a despeito das naturais dificuldades de fala. Ao contrário, tem consciência de sua condição e sofre a cada vez que as cortinas do circo são abertas para que grupos de curiosos se regozijem com a dor alheia. Aliás, aparentemente nada mudou nesse sentido da Inglaterra vitoriana - época em que se passa a história, que é baseada em fatos reais - paras os dias de hoje, já que a curiosidade por aquilo que esse tipo de curiosidade mórbida, segue sendo parte da natureza humana. (e é só ver a voracidade com que foram disseminados fotos e vídeos do acidente com a Chapecoense para que essa tese seja validada)


Lá pelas tantas aparece um certo doutor Frederick Treves (Anthony Hopkins), que pretende levá-lo para o hospital para uma série de experimentos e testes que farão parte de um tratamento - o que desagrada o Sr. Bytes (Jones), o "proprietário" de Merrick, no circo. Com a ajuda do pacientoso Treves, Merrick passa a se sentir mais à vontade para falar e para se expressar, mostrando-se, aos poucos, um sujeito amável e dotado de grande capacidade intelectual - ainda que sua aparência não se modifique nesse contexto. Só que conforme o filme avança, alguns conflitos serão estabelecidos. O Sr. Bytes quer o seu "empregado" (que sofre uma série de maus tratos, diga-se), de volta. No próprio hospital, a presença de Merrick não é bem vista pelos diretores - especialmente por sua impossibilidade de cura. Fora o fato do próprio Treves se sentir abalado pelo fato de, numa espécie de contraponto, também explorar o sujeito, levando-o a congressos de medicina ou mesmo abrindo o hospital para visitantes da alta sociedade inglesa.

São vários arcos dramáticos que fazem com que a obra trafegue livremente entre o terror e o drama, entre a surpresa e a ternura. No começo, por exemplo, a sensação que o espectador tem é a de estar diante de um pavoroso suspense, com os personagens percorrendo corredores claustrofóbicos, com fotografia expressionista e trilha sonora urgente - fora o enigma estabelecido quanto a aparência do protagonista (que só é revelada mais para frente). Já no terço final, com Merrick já mais integrado, tudo o que desejamos é que ele possa ter o seu sofrimento minimizado, em uma vida em que ele possa se manifestar a sua maneira, a despeito do formato de seu rosto e de seu corpo. E não chega a surpreender o fato de ser justamente a capacidade intelectual, em uma comovente sequência, aquilo que lhe livra de perseguições maiores de um grupo de bárbaros odiosos - esses sim, que poderiam ser considerados os verdadeiros monstros do filme, numa espécie de curiosa dicotomia.


Respeitoso para com os personagens, o filme não economiza nos momentos de emoção a cada avanço que Merrick faz e conforme aumenta a compreensão de todos a seu redor. Tal sensação é fortalecida quando aparece uma atriz de teatro (como não amar esse povo?), uma certa Sra. Kendal (vivida de maneira absolutamente encantadora por Anne Bancroft), interessada em fazer com que o sujeito seja incluído na sociedade. Pouco convencional e ainda assim facílima de assistir, a obra foi um sucesso de público e de crítica na época de seu lançamento, pavimentando o terreno para que Lynch pudesse adotar o seu estilo absolutamente autoral em obras futuras - como Veludo Azul (1986) e Cidade dos Sonhos (2001). Tudo graças a esse alegoria sobre a importância de se respeitar as diferenças e que costuma aparecer em diversas listas de melhores do história, como no caso dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer.

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