quinta-feira, 15 de março de 2018

Disco da Semana - Buffalo Tom (Quiet and Peace)

Se existe um sonho para os fãs de música que tornou-se realidade nos últimos anos foi poder ter literalmente na palma da mão a possibilidade de ouvir e adquirir praticamente toda a música produzida por seus artistas favoritos. Além do mais, uma enxurrada de descobertas dia após dia de novos artistas e uma imprensa musical online fervilhante sedenta por novidades, torna a experiência de quem acompanha a cena ainda mais intensa - e, por vezes, agoniante: como ouvir tudo que é lançado? O tempo disponível é suficiente para uma imersão adequada à cada obra trabalhada com tanto esmero e por tanto tempo? Tais pensamentos me vieram à cabeça durante a audição de Quiet and Peace, nono e mais recente lançamento dos veteranos do Buffalo Tom.

Lembro com carinho quando, em meados dos anos 90, ficávamos vidrados assistindo à MTV esperando o clipe de nossas bandas favoritas - isso muito antes de o Youtube existir. Como não lembrar do reverendo Fábio Massari e seu programa Lado B, que viria a me apresentar muitas bandas que ainda hoje me inspiram a consumir e fazer música? Como esquecer da primeira vez que vi o clipe de Taillights Fade, do Buffalo Tom, com toda a sua energia e emoção? E da experiência que o trio de Boston me proporcionou com a beleza da balada Wiser? Que dificuldade que era para obter os discos sem ter que recorrer aos altos valores de importação ou achar o mesmo em uma cesta esquecida e ignorada por muitos - um tesouro ali escondido.


Faço todo esse preâmbulo saudosista para justificar a inclusão de Quiet and Peace em nosso Disco da Semana. O que me levaria a indicar esta obra para alguém, visto que não é um "retorno triunfal" da banda (que nunca deixou de lançar bons discos), é justamente sua capacidade de evocar lembranças, um conforto de pisar em terreno conhecido mas amadurecido pelo passar do tempo. Se o título refere a "silêncio" e "paz", para um grupo que sempre fez uso do rock com uma intensidade poucas vezes vista, isso não significa que Bill Janovitz, Chris Colbourn e Tom Maginnis tenham pisado no freio desta vez - pelo menos, não da forma sugerida. Violões quase onipresentes em companhia das guitarras, algumas baladas a mais do que o usual, backing vocals femininos, um pianinho e teclados aqui e acolá, realçam ainda mais a beleza das canções que valorizam a identidade sem camuflar o estilo peculiar do grupo.

All Be Gone inicia o álbum com um rock direto e empolgante, uma estrutura familiar aos fãs da banda, com o vocal de Janovitz emulando (embora de forma não intencional, creio eu) um Bob Mould (ex Husker Dü) em sua carreira solo e uma letra agridoce que valoriza a vida ao pensar na morte - um tema comum à obra e a todos aqueles que já viveram por um bom tempo nesse planeta. Overtime é daquelas canções atemporais e lindas que parecem passar tão rápido que nos fazem querer não sair mais de lá. Roman Cars traz o baixista Chris Colbourn nos vocais, sempre mais doces, o que torna possível a comparação com Teenage Fanclub. CatVMouse e a balada See High the Hemlock Grows também trazem os vocais do baixista com a habitual delicadeza - principalmente nesta última. Freckles é Buffalo Tom na sua melhor forma, canção que vai crescendo até seu clímax bastante intenso, lembrando clássicos do grupo como Mineral e Larry. Janovitz mostra não ter perdido a energia com Lonely Fast and Deep, um rockão direto e acelerado, e inclusive naquelas com andamento mais lento, caso das belas In the Ice e Least That We Can Do. Para fechar temos a melancólica Slow Down, com sua letra edificante, e a cover Only Living Boy in New York (de Simon & Garfunkel) que mantém a pegada acústica da original.

Um presente para os nostálgicos, um acalanto para as novas gerações que vem testemunhando uma crescente de ódio e intolerância, Quiet and Peace é uma obra que nos entrega um lugar familiar ao qual sempre poderemos retornar - empolgante e reconfortante na medida certa, agridoce como só o passar do tempo e a experiência é capaz de nos tornar. Amadurecer sem perder a ternura jamais, em uma caminhada onde não estamos sós, é o que torna a arte e obras como essa tão essenciais.

Nota: 8,5


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