quarta-feira, 28 de março de 2018

Cinema - Por Trás dos Seus Olhos (All I See Is You)

De: Marc Forster. Com Blake Lively, Jason Clarke e Yvonne Strahovski. Drama / Suspense, EUA / Tailândia, 2016, 109 minutos.


Por Trás dos Seus Olhos (All I See Is You) nem parece um filme do mesmo diretor de grandes obras como A Última Ceia (2001), Em Busca da Terra do Nunca (2004) ou 007 - Quantum Of Solace (2007). De "espírito" mais alternativo, a mais recente película de Marc Forster - exibida discretamente nos cinemas - nos apresenta a jovem Gina (Lively), que perdeu a visão quando ainda era criança, após um grave acidente de carro (mostrado em flashbacks). Acostumada a deficiência, ela vive com o marido James (Clarke) na Tailândia - estão lá por conta de uma promoção recebida por ele. Apesar de ser completamente dependente do marido (e habituada a isso), ela sonha em poder enxergar novamente, vendo as esperanças serem renovadas quando o médico que lhe atende resolve testar uma nova cirurgia, o que lhe permitirá resgatar a visão de um de seus olhos.

A transição até Gina poder ver é repleta de grandes e paradoxais momentos visuais - sendo a forma como a protagonista "enxerga" o mundo (tomando por base os ruídos, os borrões, os vultos e outras sensações) construída de maneira absolutamente bela, eficiente e respeitosa com este universo. Da mesma forma, a fotografia sempre acinzentada e opaca contribuí para que cresça no espectador um sentimento de inegável pessimismo, mesmo nos momentos mais felizes da obra - e se essa impressão nos ocorre é justamente pela capacidade do diretor em produzir momentos de suspense, seja em uma festa em que Gina se perde no meio da multidão, seja numa curiosa cena de sexo em que o marido tem os seus olhos vendados e que, preso a uma cama, vê os seus movimentos limitados. (numa metáfora perfeita para a existência de Gina, quando esta ainda não podia ver o mundo ao seu redor).



Só que as coisas mudam quando Gina passa a enxergar novamente. E o que era, inicialmente, motivo de euforia, passa a representar um processo crescente de descontentamento de James - fruto de sua insegurança. Agora Gina não mais depende da presença dele para ir onde quer que seja. Pior: ao "descobrir" o mundo - e todas as suas cores, lugares e pessoas - a protagonista passa a ser dona do seu nariz, o que não apenas incomoda o marido, como o faz acreditar que eram mais felizes quando Gina não enxergava. Tudo piora quando o casal vai a Barcelona para visitar a irmã e o cunhado. Em terras espanholas tudo é exponencialmente mais vivo, mais vibrante, mais sensual, mais divertido. Gina percebe o enxergar como um processo de libertação pessoal - de um casamento de conveniência, eventualmente conservador ou entediante. Quer se sentir bonita, vista e desejada. Quer ter outras experiências. Ver se torna quase um ato político. Uma metáfora para a independência e para a mulher onde quer que ela queira estar - processo, diga-se, tão caro nos dias de hoje.

Nesse sentido um filme de suspense prosaico ganha ainda mais força no terço final, quando James adota uma atitude extrema para tentar reaver a vida que tinha anteriormente - com a esposa tendo uma existência estritamente doméstica e dependente dele. Ainda: ao brincar com os sentidos, especialmente a visão, Forster constrói uma obra cheia de rimas visuais, não sendo poucos, também, os momentos em que os personagens se observam em meio a frestas (ou esboços, no caso de Gina), espelhos retrovisores ou cômodos de tamanhos limitados. A própria paisagem também ganha o formato geométrico de um olho ou com algum tipo de enquadramento oblíquo, incluído com o objetivo de gerar algum desconforto - algo que também ocorre com a balbúrdia sonora (a mixagem de som é ótima) das ruas da capital tailandesa. Assim, ao transformar o filme também em uma obra levemente sensorial - e inegavelmente acolhedora -, Forster acrescenta outras camadas e amplia o alcance de sua película, que jamais fica reduzida a um mero suspense. Ponto para o diretor.

Nota: 8,0

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