quinta-feira, 29 de março de 2018

Lado B Classe A - Moby (18)

Ouvir um disco como o 18 do Moby é reviver um sem fim de sensações. Da paradoxal "nostalgia da modernidade", que faz com que muitas das canções nos remetam àquelas propagandas urbano/hipsters que tentam nos vender algum apetrecho tecnológico, ao clima de eletrônica enfumaçada de fim de madrugada (mas aquela eletrônica adocicada que te acolhe e te envolve), o causo é que esse registro, lançado em 2002, permanece até hoje como um dos preferidos dos fãs do novaiorquino. Essa impressão, justiça seja feita, já existia em Play (1999), trabalho anterior do artista, e que apresentou ao mundo os hits Porcelain, Why Does My Heart Feels So Bad? e Natural Blues fazendo com que a sua obra saísse dos descoladíssimos clubes do final dos anos 90 e invadissem a sala de estar (ou os quartos) de adolescentes e jovens cheios de anseios sobre a vida adulta e que, agora, escutavam essas mesmas músicas em qualquer lugar.

Diga-se de passagem, até Play, Moby podia ser considerado um artista de nicho. A música altamente urgente e urbana que ele executava, praticamente sem letras, servia mesmo era para sacolejar o esqueleto nas pistas de dança - e a audição dos hoje distantes Moby (1992) e Everything Is Wrong (1994) comprovam essa tese. Não era uma música fácil, pra toda hora e pra qualquer lugar. E a transição, se teve início com I Like To Score (1997), se consolidou mesmo com Play. Talvez Moby, vegetariano há quase 30 anos e ligado a causas mais sociais (ainda que alguns aleguem o fato de ele ter se "vendido ao sistema") quisesse se comunicar com as pessoas de uma forma mais próxima, naquele final de milênio que se avizinhava. Estar com elas, ainda que ele fosse, declaradamente, avesso a fama. A modernidade urgia, a tecnologia disparava e o cenário parecia adequado para que canções que, hoje, representam idiossincraticamente o seu estilo, brotassem.



Mas se o Play foi esse tão importante ponto de ruptura, por que não é que ele figura no quadro Lado B Classe A? Essa deve ser a pergunta que você, querido e astuto leitor, deve estar se fazendo. Respondemos: pelo fato de que o trabalho de 1999 ter sido como um laboratório para uma experiência completa que viria a se consolidar apenas três anos depois. Confesso que (re)escutei muitas vezes os dois discos antes de decidir qual teria a honra (tá, estou rindo dessa parte) de figurar em nosso quadro. Mas o caso é que o Play não funciona tanto como uma experiência completa e homogênea - com começo, meio e fim - como ocorre com o 18. Há, sim, músicas ótimas (talvez as melhores do Moby). Instantes de puro deleite. Mas nada parece ser tão coeso - ainda que, curiosamente, com tantos estilos diferentes no mesmo trabalho - e pronto para o consumo imediato, quanto este magnífico trabalho, que  mistura caos e calmaria, tensão e leveza na mesma medida.

E, vamos combinar que o disco começa com três PETARDOS que, por si só, já fariam o trabalho merecer os elogios. Se a abertura com We Are All Made of Stars flerta com o shoegaze e com Beck (além de ter um refrão grudentíssimo que a torna, não por acaso, uma das favoritas do fãs), In This World e In My Heart tem aquele clima embriagado, riquíssimo em texturas eletrônicas, pianinhos e sintetizadores que flertam com o jazz e com o soul e que fazem o combo perfeito da audição no modo luz desligada/madrugada/tomando uma coisinha. Outras canções repetem o expediente - caso da espetacular One Of These Mornings e das também belas Sunday (The Day Before My Birthday), Extreme Ways e a derradeira I'm Not Worried At All. Aqui e ali o trabalho envereda por outros estilos, como o trip hop (Another Woman), o hip hop (Jam For The Ladies), pop romântico noventista (At Least We Tried) e música gospel (The Rafters).


Mas o mais incrível de tudo é que tudo parece tão bem encaixado que os momentos mais velozes parecem se intercalar com aqueles mais calmos de forma perfeita - como se depois de inundados por canções mais expansivas, fôssemos convidados a alguns momentos de introspecção que mais parecem ali colocados para que respiremos fundo para mais algumas doses de músicas invariavelmente arejadas (ainda que enérgicas) e ricas em camadas e ambientações. (e não é por acaso que até as peças instrumentais, como a música que dá título ao trabalho, funcionam como verdadeiras paredes sonoras capazes de nos jogar em meio a obras de ficção científica existencialistas, etéreas e cheias de reflexões). I've seen so much in so many places / So many heartaches, so many faces / So many dirty things / You couldn't even believe divaga Moby em Extreme Ways, como se convidasse o ouvinte a embarcar junto com ele nessa jornada. Garantimos a vocês que não haverá arrependimentos.

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