Existe uma cena de Aniquilação (Annihilation), nova empreitada do diretor Alex Garland (de Ex-Machina), em que a geomorfóloga Cass (Novotny) conversa com a bióloga Lena (Portman) sobre o fato de a segunda ter aceitado voluntariamente uma missão que pode ser considerada suicida - algo que não aconteceria se a sua vida estivesse em "perfeita harmonia". Mais tarde o tema retorna e é a vez da psicóloga Ventress (Leigh) lembrar o fato de, muitas vezes, nos autodestruirmos deliberadamente - seja bebendo, fumando ou acabando com um casamento feliz. "Essas não são decisões, são impulsos", comenta a psicóloga. E, nesse sentido, poucos filmes serão tão graficamente explícitos na abordagem da falta de equilíbrio e sobre como esta pode afetar as nossas existências, nos levando a quadros de depressão, de alcoolismo ou mesmo a doenças, como o câncer.
Aliás, falta de equilíbrio também é o que está ocorrendo em determinada área do litoral da Flórida, que teve um farol atingido por um meteorito. Assim que o evento ocorre é formada uma espécie de bolha no local - chamada de O Brilho. Aqueles que tentam investigar o que ocorre naquele espaço - junto a área X - não retornam, sendo a única exceção o sargento Kane (Isaac), que depois de um ano envolvido em uma missão, reaparece para a esposa Lena, que acreditava que este pudesse estar morto. Mas Kane não é mais o sujeito caloroso de outrora - como mostram os flashbacks. Lacônico, se limita a poucas respostas sobre o que de fato teria ocorrido durante a sua jornada no Brilho. Tudo piora quando ele tem uma espécie de ataque e entra em coma. É tudo muito misterioso e essa sensação só se ampliará com a incursão de uma equipe de investigação na bolha.
Em resumo, Aniquilação é um filme mindblowing (daqueles em que saímos com mais perguntas do que respostas) que mistura temas religiosos com invasão alienígena para discutir comportamento, empatia e relações humanas, entre outros. E sobre como podemos provocar instabilidades ou oscilações por meio de nossas ações. O mundo na bolha é diferente e multicolorido (como um final de tarde em que sol e chuva resultam num arco-íris). Como se fosse um prisma, reflete o DNA de todas as formas de vida que lá transitam, de animais a plantas, passando pelo homem, provocando um sem fim de estranhas mutações (que gerarão árvores em formato de humanos e ursos que gritam por "socorro" como se fossem pessoas). É tudo meio estranho, mas o clima de suspense nesse curioso e onírico universo é tão sufocante, quanto naqueles filmes que se passam em casas assombradas por espíritos malignos. Temos a sensação de que algo vai ocorrer o tempo todo!
Como se já não bastasse o estranhamento que envolve a descoberta paulatina daquele ambiente pela equipe formada por Ventress, Lena e Cass, além da paramédica Anya (Rodruiguez) e a física Josie (Thompson), as locações (construções abandonadas, florestas densas, rios misteriosos), ainda fortalecem a sensação de claustrofobia, mesmo no espaço aberto (já que, não podemos esquecer, o grupo está dentro de uma bolha). E se o suspense é muito mais psicológico do que evidente, também não deixa de chamar a atenção o contraste formado pela natureza violenta do ambiente em contraponto as suas flores ou formações multicoloridas que não fariam feio em alguma animação inovadora da Pixar. Sem resolver todas as questões que surgem pelo caminho, Garland reserva para o terço final uma solução muito mais física (ainda que amplamente "espiritual"), ao sugerir uma espécie de morte para uma das protagonistas para que, dali, haja um recomeço. Afinal de contas, por mais que tomemos decisões duvidosas em nossas vidas, sempre haverá espaço para a renovação.
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