sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

25 Melhores Discos Nacionais de 2017 (+15 Menções Honrosas)

Reforma da Previdência. Reforma Trabalhista. Direitos há muito conquistados, sendo literalmente subtraídos. Aumentos de preços alarmantes. Corrupção degradante. Política pública ZERO. Dinheiro na mala. Grande acordo nacional. Sangria estancada. Compra de votos. Avanço do conservadorismo. Ódio. Preconceito. Machismo. Misoginia. Intolerância. Bolsomito. Burrice mesmo. Ignorância. Alienação. Se o Brasil de 2017 conta com um dos piores - e mais ultrapassados - cenários da história recente, o mesmo não se pode dizer da música. Aliás, ela nunca foi tão plural e democrática como nos dias de hoje. A propósito, todos os absurdos com que somos surpreendidos diariamente - com panelas caladas e camisetinhas da CBF guardadas - acabam, também, sendo a matéria-prima perfeita para grandes álbuns, como os do Djonga, do Rincón Sapiência e da Linn da Quebrada, por exemplo, e que integram a nossa lista. É claro que em meio ao caos cotidiano que vivemos, também tentamos sorrir, o que explica a presença do Maglore, nesse ano, na nossa primeira posição. Ou mesmo a presença de artistas como Plutão Já Foi Planeta e Vanguart em nossa relação. Se o mundo não anda fácil, a música se torna um belo refúgio. E, especialmente para aqueles ultrapassados saudosistas que, pasmem, ainda acreditam que não se faça mais música nacional como antigamente, segue a nossa lista de 25 Melhores Discos Nacionais de 2017 (+15 Menções Honrosas). Boa leitura!

Menções honrosas:

40) Viis (Canções de Bad))
39) Giovani Cidreira (Japanese Food)
38) Fernando Motta (Desde que o Mundo é Cego)
37) Garotas Suecas (Futuro do Pretérito)
36) Aldan (Dadadadadadadadadadadada...)
35) Cícero (Cícero e Albatroz)
34) Fabiano Nascimento (Tempo dos Mestres)
33) Don L (Roteiro Para Aïnouz, Vol. 3)
32) Nana (CMG-NGM-PODE)
31) Luiza Lyan (Oyá Tempo)
30) César Lacerda (Tudo Tudo Tudo Tudo)
29) Sofia Freire (Romã)
28) Isabel Lenza (Ouro)
27) Castello Branco (Sintoma)
26) Nina Becker (Acrílico)



25) Vitor Ramil (Campos Neutrais): há que se respeitar um sujeito que escreve versos, como, Tô viajando em loucos descaminhos / Como uma gota d’água num absinto / Sem árvores, sem pouso, sem um ninho / Sou pássaro de um mundo indistinto. Presentes na canção Labirinto - uma das peças centrais do décimo primeiro registro da carreira do compositor - as frases representam bem o cancioneiro do gaúcho, que se apropria de um clima bucólico, quase pastoril, para descarregar uma verborragia absolutamente poética, densa e nunca gratuita. Sim, em um mundo urgente e tecnológico como o que estamos, escutar um trabalho como este pode não ser uma experiência fácil - o álbum tem quinze canções e mais de uma hora de duração. Mas quem se aventurar pela estética tradicionalmente invernal do irmão menos famoso (!) de Kleiton e Kledir, certamente será recompensando.


24) Henrique Oliveira (Pouco de Muito, Muito de Quase Nada): chega a ser engraçado, pra não dizer patético, o fato de que este jornalista que aqui vos escreve - e resolve fazer uma lista de melhores discos do ano - sequer sabe tocar triângulo. Que dirá fazer um disco inteiro! O caso é que o meu parça aqui do Picanha, Henrique Oliveira, fez a sua estreia fonográfica nesse ano. E o mais legal, com muita qualidade. Em seu estúdio pessoal se trancafiou dia e noite para trazer gravar os instrumentos e compor as letras absolutamente confessionais, com direito a hits grudentos, caso de Revés, a melhor do trabalho. O registro é enxuto, mas o caldeirão de referências sonoras representa bem o que o artista escuta, sendo possível encontrar ecos de Pitty e Legião Urbana (Não Convence), Violins (Grande Mérito) e até Luneta Mágica (Muito Pouco). Para quem conhece a paixão desse cara pela música, pode-se dizer que o resultado é de encher de orgulho.


23) Vanguart (Beijo Estranho): existem discos que a gente vai ouvindo meio despretensiosamente, até que aparece aquela música que nos retira um bóóó e um sorriso no rosto. No caso do mais recente registro da banda capitaneada por Helio Flandres, a canção em questão é E o Meu Peito Mais Aberto que o Mar da Bahia. Melodiosa, a música nos faz ficar com aquele refrão quebrado - Quem diria que seria tão bonito assim viver? - por horas na cabeça. E quando percebemos que um trabalho possui uma canção assim tão preciosa e otimista, a gente acaba voltando os nossos olhos (ou ouvidos) para o restante, só para descobrir um álbum sempre esperançoso, primaveril e de uma simpatia sem fim. Homem-Deus não faria feio em um disco do Sá & Guarabyra. Já Casa Vazia remete ao Clube da Esquina. Não bastassem essas referências, também há espaço para o pop oitentista de refrão grudento, como no caso de Felicidades. E tudo com a marca registrada e a personalidade do quarteto.

22) A Banda Mais Bonita da Cidade (De Cima do Mundo Eu Vi o Tempo): quem não acompanha de perto a carreira dos curitibanos, é capaz de pensar que o quinteto não sobreviveu a pecha de one hit wonder, após o estrondoso sucesso de Oração. Mas não é o que acontece. Quem segue a Banda de perto, sabe que a legião de fãs os acompanha aonde eles forem para cantar juntos clássicos modernos, como Se Eu Corro, Uma Atriz e Boa Pessoa. Mais hermético, o mais recente registro parece ter pego certa parcela dos fãs (e até da crítica), de surpresa. Mas quem se aventurar pelo trabalho, encontrará mais uma bela coleção de canções espetacularmente interpretadas pela vocalista Uyara Torrente. A banda de apoio mostra maturidade e canções que são velhas conhecidas como Suvenir (composta por Ian Ramil) ou novidades como Trovoa (de Maurício Pereira) se transformam em verdadeiras gemas do cancioneiro nacional.


21) Bel (Quando Brinca): recheado de participações especiais - Laura Lavieri, Rafaela Prestes - o disco de estreia da cantora carioca (que também é compositora, produtora cultural e escritora), trafega no limite entre o popular e o clássico para trazer uma série de músicas repletas de reflexões sobre o mundo moderno - e sobre a presença da mulher nesse contexto. No diálogo com o jazz e com o R&B contemporâneos, o que se sobressai é a voz de Bel em meio aos arranjos minimalistas que contam, aqui e ali, com uma base eletrônica nunca exagerada. É um disco gosto de ouvir, aconchegante, levemente sedutor e versátil e que tem na colisão de gêneros e de temáticas a sua força. Baby, não vamos chorar / Relaxa pra rodar, rodou, e o pior já passou canta Bel em Real Grandeza. É como se fosse uma espécie de convite para o ouvinte sentar, relaxar e se divertir. Difícil resistir.


20) Nevilton (Adiante): o disco mais recente dos curitibanos segue a mesma lógica efervescente e divertida do trabalho anterior, Sacode (2013). Nesse sentido, o power pop recheado de letras simples e refrões assobiáveis segue intacto, com cada canção se transformando em uma obra original e de ampla capacidade de se tornar hit. Corais de vozes, palminhas, lá lá lás, tchururus e outros efeitos reforçam o clima primaveril, que mistura Jovem Guarda (Confuso), com Teenage Fanclub (Indiscutivelmente). É um disco fácil de ouvir, mas que melhora a cada audição, fazendo com que percebamos, aqui e ali, detalhes que anteriormente poderiam passar despercebidos. E, quando menos esperamos, estamos replicando mentalmente, em loop infinito, os versos crescentes de canções como Amarela - Vai amanhecer de novo. Alternando momentos inegavelmente otimistas (Flores) com outros nem tanto (Lua e Sol), o novo registro da banda a consolida como uma das mais bacanas da atualidade.

19) Kafé (Kafé): R&B com a qualidade apresentada pelo cantor baiano Kafé, vamos combinar que não é sempre que se encontra. E só de fugir de estilos ou mesmo de batidas mais óbvias, sem nunca soar anacrônico ou brega, esse ótimo registro já merece figurar nessa lista. Sempre consumi música pop em geral, mas acredito que a influência que Michael Jackson trouxe ao mundo é o que causa comparações naturais entre artistas de gerações seguintes, afirmou em entrevista ao site A Gambiarra, dando uma dica sobre as suas influências. Mas não é só. Se utilizando de beats e de outros efeitos modernos, o artista dialoga com a música da atualidade imprimindo ainda uma boa dose de personalidade as suas canções ao mesmo tempo românticas, pegajosas e de alta sensibilidade poética. Difícil não pensar em The Weeknd ao ouvir Quando Chegar ou Justin Bieber na melhor fase em Nós 3. Não é pouco.


18) Lucas Santtana (Modo Avião): como é de praxe, em seu mais recente registro, o baiano desfila toda a sua versatilidade e virtuosismo em um disco totalmente conceitual, sobre dois estranhos que se conhecem durante um voo. Discussões sobre tecnologia em uma época de amores líquidos, de urgência e de pós-modernidade, formam o amálgama de temas que dialogam com o passado e com a simplicidade da vida, como podemos perceber na singela Um Enorme Rabo de Baleia. Nunca óbvios, os arranjos de cordas encontram os sintetizadores formando um espectro sonoro que contribui para organizar, ainda que inconscientemente, cada etapa deste delicado registro. É um álbum metafórico, ao mesmo tempo complexo e inocente e que ainda "força" o ouvinte para uma segunda audição, de uma faixa-bônus guardada no fim do disco, como se fosse uma espécie de instalação sonora que conecta todas as partes. Aquele tipo de coisa que raros artistas conseguem.


17) Boogarins (Lá Vem a Morte): tudo que o mais recente trabalho dos goianos tem de pequeno - são apenas oito faixas e 27 minutos de duração - ele tem de imponente. Mantendo, como é de praxe, o diálogo com veteranos da música psicodélica, a banda imprime uma personalidade toda própria, por vezes torta, eventualmente caótica e invariavelmente zombeteira. Se Foi Mal brinca com as percepções sobre vontades sexuais - Foi mal se / Eu / Ainda desejo corpos / Que não o seu -, Onda Negra traz a tona os medos que povoam nossos pensamentos - O meu temor não são mil demônios / Mas lembrar de ti. Altamente experimental (por vezes quase nem é possível entender o que canta o vocalista Dinho Almeida Filho), a banda se vale de guitarras sinuosas e sintetizadores etéreos para criar um registro coeso, ainda que nada linear. E que versa, entre outros, sobre o ocaso de nossa existência.


16) Letrux (Letrux Em Noite de Climão): Já tive tudo com você / Dois filhos com você / Na minha cabeça com você / Tudo com você / Conta conjunta com você / Suruba com você / Uma planta com você. De alguma forma pode-se dizer que os versos acima, presentes em Ninguém Perguntou Por Você, segunda canção do primeiro disco em carreira solo da ex-integrante do Letuce, Letícia Novaes, resume bem a obra. Separada do ex-namorado e parceiro musical Lucas Vasconcellos, Letícia cria personas diversas, teatrais, para exorcizar o término. Aliás, tudo que o Letuce tinha de primaveril e diurno, o Letrux tem de quente e noturno. Apostando em guitarras e muitos sintetizadores, a artista - que também é escritora, como é possível perceber nas letras verborrágicas e alegóricas - esbarra em Marina Lima e Rita Lee para criar um disco único sobre aquele climão, que todo o mundo sabe como é.


15) Beto Cupertino (Tudo Arbitrário): fruto de um financiamento coletivo, Tudo Arbitrário é o primeiro disco solo do compositor goiano Beto Cupertino, líder da cultuada banda Violins. Aqui, Cupertino nos brinda com belas canções em um disco enxuto - são apenas oito faixas e cerca de  trinta minutos de duração -, mas que não decepciona os fãs de longa data, que aguardam novo trabalho de sua extinta banda que, a propósito, já anunciou seu retorno para 2018. Ouça Memes (E quem pensei admirar se revelou um juvenil / Um meme pra gente rolar de rir ou lamentar), Solidão é um Nome (Solidão é um nome / Que inventaram pra te convencer /Que não basta ser humano / é preciso sempre pertencer) e a faixa-título (É tudo arbitrário / E não contém glúten / Pode engolir calma / Prece é inútil) e renda-se a um dos maiores compositores do rock nacional em muito tempo.


14) Plutão Já foi Planeta (A Última Palavra Feche a Porta): das bandas alternativas que buscam um lugar ao sol e que trafegam no limite entre o rock e o indie pop, esta certamente é uma das mais simpáticas da atualidade. Após um EP de sete faixas e um vice-campeonato no programa Superstar da Rede Globo, o quinteto de Natal finalmente lançou um disco cheio de canções pop românticas, de versos altamente confessionais e com um clima ensolarado de final de tarde, naquela cafeteria descolada que fica no centro da cidade. Utilizando instrumentos não tão convencionais - como ukulelê e escaleta - a banda acerta o tom ao transformar as suas canções nas canções de todos nós. E quando eu chegar / Me espere em sua porta / E não me deixe ir / Se sabe que eu não volto canta a vocalista Natália Noronha na singela O Ficar e o Ir da Gente, naquele tipo de dualidade típica dos jovens amores. Difícil não se identificar.


13) Linn da Quebrada (Pajubá): como forma de disfarçar o seu preconceito, as famílias de bem encarnaram, nas últimas semanas, a sua porção "crítico especializado em música" para dizer que Pablo Vittar não canta bem, que ela desafina, que a música não é boa. Espera só até essas mesmas famílias batedoras de panelas escutarem essa imperdível rapper carioca. Utilizando-se do corpo como organismo político, Linn da voz a travestis, bichas, putas, drag queens, pobres e outros grupos a margem da sociedade, escancarando temas como masculinidade frágil (Transudo), violência urbana (Bomba Pra Caralho) e preconceito (Enviadescer). Em seu rap urbano e urgente, que trafega no limite entre o deboche e a provocação, o que vale mesmo é o discurso direto, cheio de rimas vivas e vibrantes, que chamam a atenção apelo forte apelo sexual. "Estou tentando formular um novo tipo de experiência, positiva, para as pessoas que tem corpo semelhante ao meu", disse em entrevista e revista Rolling Stone. Ponto.


12) Kiko Dinucci (Cortes Curtos): caótico, esquizofrênico, divertido - ainda que o sorriso possa ser meio amarelado. Assim é o primeiro registro completo de inéditas do cantor e compositor paulistano Kiko Dinucci. Famoso pelas colaborações com o Metá Metá, o artista parece ampliar algumas das ideias conceituais apresentadas no coletivo, para entregar ao público um registro urgente, barulhento e, inegavelmente, relevante. No trabalho, cada canção, ainda que funcione como fragmento individual, forma um caldeirão de ruídos heterogêneo que nos remete a um daqueles filmes de comédia de ação que sempre surpreendem na temporada. Repleto de letras curtas - muitas delas lembram pequenos aforismos - o disco utiliza um naipe de metais nunca óbvio que faz o álbum trafegar no limite entre o regionalismo e o punk rock. Ouça no volume máximo!


11) Mallu Magalhães (Vem): a cantora paulista, todos sabemos, falou um monte de merda a cada vez que foi pra televisão nesse ano - além de provocar polêmica ao protagonizar um clipe considerado racista para a canção Você Não Presta. Mas aqui a intenção é separar a artista de suas opiniões - se é que isso é possível -, para dizer que a Mallu está cantando e compondo demais. Primeiro disco de inéditas em seis anos, desde Pitanga (2011), a artista mostra maturidade nas letras românticas (e até no timbre alcançado), como no caso da imperdível Casa Pronta (Belo dia será quando você chegar / Um travesseiro, um cobertor / E o carinho que dá e sobra) e na linda e sincera Vai e Vem (Sei que cê não gosta dessa história de vai e vem / Tudo bem, a gente fica mais em casa). Mas é no flerte com a Jovem Guarda e em canções como Navegador e Será Que Um Dia, que a cantora brilha de fato, ao se apropriar com tanta autoridade de uma vertente tão consagrada.


10) Otto (Ottomatopeia): deixando para trás as eletronices modernosas presentes em seus registros anteriores, o pernambuco abraça de vez (e sem vergonha alguma), o cancioneiro brega. A sensação ao ouvir o trabalho é a de nostalgia das tardes quentes em que, em algum lugar, se escuta um radinho de pilha tocando alguma canção popular dos anos 80. Eu acho que esse disco merece isso. Tem uma sonoridade diferente, uma musicalidade que nunca tive. Quero que as pessoas me escutem mais. Eu nunca me senti assim tão contente, disse o cantor e compositor em uma entrevista de divulgação ao Estadão. Mas música mais acessível ou próxima do público jamais significa obviedade, como comprova a sinuosa Carinhosa, séria candidata a canção do ano. Em seu sexto álbum, Otto deixa os "sonhos intranquilos" de outrora para trás. E fala de forma natural até demais sobre o amor. O público agradece.


9) Chico Buarque (Caravanas): não que isto importe aqui nesta relação, mas sou suspeito em falar em Chico, já que fiz o meu trabalho de conclusão do Curso de Jornalismo sobre a sua obra. Então, pela relevância histórica, política e social do artista - que foi exilado durante a ditadura militar -, ele sempre terá cadeira cativa em qualquer lista de melhores - talvez até se ele lançar um álbum de sertanejo universitário. Sim, não se trata de um novo Construção (1970) e nem escutaremos canções parecidas com as inesquecíveis Apesar de Você, Vai Passar ou Meu Caro Amigo. Mas, em um período de grande turbulência no País, o 38º trabalho de estúdio do compositor é Chico sendo Chico, provocando alguma polêmica e utilizando-se de seus mais tradicionais expedientes - o eu lírico feminino (na divertida Blues Pra Bia), o futebol (Jogo de Bola) e o romantismo exacerbado (Dueto). Tudo pontuado por uma base instrumental econômica e certeira.

8) Djonga (Heresia): ouvir um disco como este, do rapper mineiro Djonga, é estar disposto a levar um tapão atrás do outro e aguentar quieto. Calado. Como quem deixa ouvir o desabafo de alguém que precisa MESMO usar o verbo como um recurso para exorcizar todos os dramas que atravessam as periferias Brasil afora. E que envolvem a convivência diária com o preconceito em todas as suas formas. Religião, sexo, violência. É nos versos aparentemente desordenados e diretos de Djonga que reside a força desse registro, que se ocupa de uma base absolutamente minimalista, sutil, para deixar ecoar mais forte a voz potente do artista. Neste trabalho, o que se assiste é uma subversão da ordem, fazendo emergir em meio ao caos das rimas uma série de histórias e personagens muito próximas da realidade. É que as ruas me lembram Massacre da Serra Elétrica / Eles tentam roubar, é o massacre da cerca elétrica canta em O Mundo É Nosso. É assim, no jogo de palavras que brinca com as referências, que Djonga transforma este em um dos grandes trabalhos do ano.


7) Flora Matos (Eletrocardiograma): primeiro disco de inéditas da rapper brasiliense, o álbum é uma verdadeira combinação de ritmos dançantes - da eletrônica minimalista (e classuda) às batidas de hip hop urbano - que formam a base perfeita para as letras confessionais, que trafegam com naturalidade por todas as etapas de um relacionamento. Da euforia contagiante de uma nova paixão (Me Ame em Miami), a decepção de um vínculo que se desgasta (10:45), o álbum vai se desenrolando melancolicamente, como se estivéssemos assistindo um filme em que soubéssemos que o final não seria feliz. É claro que, em sua lírica, sempre haverá o tempo para sacudir a poeira e recomeçar, como mostra a ótima Comofaz. Ah, e o registro ainda se encerra com o clássico moderno Preta da Quebrada - aquela do grudento refrão Se você não liga, não entendeu nada / Vou resolver o problema dessa mina machucada.


6) Baco Exú do Blues (Esu): já começa pela capa, com a palavra Jesus, com as letras J e S riscadas, que formarão um novo vocábulo: Esú, que é o orixá dos caminhos, capaz de fazer as pessoas se encontrarem. É dessa forma, misturando iconoclastia religiosa, sexualidade latente e crítica social, que o rapper apresenta um verdadeiro caldeirão de referências, do trap ao hip hop, passando pela eletrônica e até pelos corais gospel. Ti Amo Disgraça pode até ser a canção que se sobressai, em uma primeira audição. Mas é com En Tu Mira e seu pathos todo particular, que o soteropolitano mostra a que veio. Por que cê fala tanto de Deus? / É porque eu sou humano! / O público não entendeu / Por que você fala tanto de Deus /É porque sou um mano, canta Baco num grito rasgado, como que num pedido de socorro. Impossível não sair impactado.


5) Tim Bernardes (Recomeçar): Olha nós dois / Desgastados, sem se querer / A gente se melhorou / Pra que por tudo a perder? Dolorido como o mais traumático fim de relacionamento. Assim pode ser resumido o clima do primeiro disco solo do vocalista do Terno - que abandona de uma vez por todas o clima de zoeira de 66 e Zé Assassino Compulsivo. A letra acima, da extraordinária Calma, funciona muito bem sozinha. Mas a verdade é que ela mais parece parte de uma grande ópera sobre perdas, desilusões amorosas e recomeços (com o perdão do trocadilho), com cada canção se conectando de maneira orgânica e homogênea. Bernardes gravou boa parte dos instrumentos sozinho e dá um verdadeiro show nos arranjos, podendo ser ouvida a cada curva do registro, uma nota bem pontuada de piano aqui e uma harpa melodiosa acolá. Hoje em dia é possível dizer que houve uma certa banalização da palavra "talento". Pois eu diria que ela se aplica bem ao artista.


4) Xênia França (Xenia): percussão tribal, eletrônica minimalista, arranjos de cordas bem pontuados. Um vocal potente, limpo, imantado ao instrumental - como se este fosse uma extensão natural da sonoridade do registro, nunca desconectada. É simplesmente impossível não ser envolvido de todas as formas por este primeiro trabalho da baiana Xênia França. Regionalismo e religiosidade marcam presença em meio a outros temas relevantes, como igualdade de gênero e racismo. Tudo embalado em um R&B classudo, que encontra no jazz e no soul o passaporte para um encontro com as divas do passado. Vamos ser francos / Pois quando um preto fala / O branco cala ou deixa a sala / Com veludo nos tamancos, entoa a artista em Respeitem Meus Cabelos, Brancos, canção que utiliza o jogo de palavras para discutir a importância de se respeitar as diferenças. Em época de Bolsonaro não poderia ser mais fundamental.


3) Rincón Sapiência (Galanga Livre): metáfora perfeita para a nossa realidade, as canções de rap e hip hop servem para dar voz àqueles sujeitos que vivem a margem da sociedade. E que encontram, no poder da rima, uma forma de catalisar as suas angústias, anseios, medos e clamores, na tentativa de sair das ruas para alcançar outros lugares. São trabalhos ambivalentes, que gritam forte, mas que, na maioria dos casos, encontram eco em lugares restritos, em nichos específicos, nas comunidades, nas quebradas. É mais ou menos como a vida. Escutar uma canção como A Volta Para Casa é se emocionar e pensar em milhões de trabalhadores que enfrentam uma rotina exaustiva e perigosa, pelo pão de cada dia. Mas essa é UMA música. No disco que narra a fictícia história de um escravo que mata o seu senhorio, a potência tá no verso e no debate permanente sobre racismo, conquistas sociais e igualdade de gênero. Um álbum moderno e fundamental.


2) Criolo (Espiral de Ilusão): desde Nó na Orelha (2011) - verdadeira miscelânea de sons, capaz de misturar afrobeat (Bogotá), MPB (Não Existe Amor em SP), hip hop (Grajauex) e brega (Freguês da Meia-Noite) -, os fãs já sabem que o paulista trafega bem pelos mais variados estilos. Agora, que ele lançaria um álbum INTEIRO só de sambas, meio de surpresa, acho que poucos imaginariam. E que disco! O álbum simplesmente grudou na nossa vitrola, nos divertiu, nos fez refletir e nos fez apertar o repeat diversas vezes. "Para mim, fazer rap sempre foi algo meio solitário. No samba tem muita gente. E o samba é universal, é o Big Ben da música brasileira. Até quem não gosta sente alguma coisa", afirmou ele à época do lançamento, em entrevista e Revista Rolling Stone. Caso você ainda esteja em dúvida, ouça Lá Vem Você, Menino Mimado e Nas Águas. Com aquela cervejinha gelada do lado, a noite tá garantida!


1) Maglore (Todas as Bandeiras): como se não fosse possível qualificar ainda mais aquilo que já estava sendo muito bem feito, o quarteto pernambucano encontra no limite perfeito entre o rock alternativo e a MPB a matéria-prima para mais dez composições feitas sem firulas, com ótimas melodias, grandes refrões e letras valiosas. Se no registro anterior intitulado III (2015) parecia haver um permanente ar de "melancolia psicodélica" aqui e ali - talvez até resultado de uma sutileza maior -, agora, o grupo pontua o trabalho com arranjos e outros elementos multicoloridos e ensolarados. E que são capazes de, em muitos casos, formar uma mistura de referências que, propositais ou não, nos jogam diretamente para os anos 80 de bandas como The Smiths e Paralamas do Sucesso. E tudo sem jamais soar como algo anacrônico ou deslocado de seu tempo. Um (quarto) disco cheio de personalidade, melodioso e irresistível, como mostram as ótimas Aquela Força, Clonazepam 2mg e Valeu!

Nenhum comentário:

Postar um comentário