terça-feira, 8 de março de 2016

Cinema - Um Homem Entre Gigantes (Concussion)

De: Peter Landesman. Com Will Smith, Alec Baldwin, David Morse, Albert Brooks e David Morse. Drama, EUA / Austrália / Reino Unido, 2015, 123 minutos.

Antes de ter início a temporada de premiações, foi levantada a possibilidade de Um Homem Entre Gigantes (Concussion), figurar entre os indicados. Especialmente o astro Will Smith, que protagoniza a obra - e há quem acredite que o tão famoso boicote ao Oscar, encabeçado pelo ator, tenha a ver com o fato de este ter sido completamente ignorado pela Academia, bem como o filme. Smith capricha no sotaque africano - com direito a inglês "macarrônico" e tudo - para viver o médico nigeriano Bennet Omalu, que, radicado em Pittsburgh, atua um tanto quando deslocado em relação as suas tantas formações, como médico legista. Com métodos excessivamente excêntricos, Dr. Omalu trata cada um dos mortos com quem "trabalha" com grande solenidade, com direito a conversas, modos suaves e muito respeito.

Ocorre que um caso em especial chama a atenção do médico: quando ele recebe em sua mesa para a realização da autópsia o ex-jogador de futebol americano, Mike Webster (Morse, em boa atuação), um dos grandes ídolos da cidade. Webster vivia como indigente e, ainda que não estivesse nem perto dos 50 anos, comete suicídio após anos de abusos de drogas e de problemas mentais como alucinações e esquizofrenia. Dr. Omalu acha curioso o fato de nada aparecer nos exames que faz, até descobrir um certo padrão envolvendo atletas da NFL: os casos de ex-jogadores com um conjunto de sintomas relacionados a danos cerebrais aumentam gradativamente. Assim como as mortes, conforme ele amplia a sua pesquisa. O que faz com que ele conclua que os anos de pancadas na cabeça, fruto da brutalidade dos treinamentos e das disputas relacionadas ao esporte, podem literalmente ter "chacoalhado" o cérebro dos jogadores.




A trama é baseada em fatos reais e o embate entre um homem, trabalhando praticamente de forma solitária, contra uma grande instituição - a Liga de Futebol Americano - que movimenta trilhões de dólares em solo americano, é algo que merece ser saudado. Mas que merecia uma obra com um pouco mais de estofo, já que o "dedo" que é colocado nessa ferida é apenas o mindinho. Ainda que a boa edição contribua para mostrar o quão alarmante é a situação, com direito a imagens de arquivo e dados impactantes - como aqueles que dão conta de que 28% dos atletas têm ou terão algum problema mental em suas vidas - o filme nunca se aprofunda nos efeitos causados por essa verdadeira tragédia não apenas nas famílias, mas na sociedade como um todo. E, pior: o futebol americano, ao invés de questionado, parece sair do filme, curiosamente, ainda mais reverenciado como entretenimento número um dos americanos. As vidas devastadas diante desse cenário? Pouco são mostradas e, certamente, poderiam gerar subtramas e arcos dramáticos muitíssimo mais interessantes do que o inexplicável par romântico de Smith, interpretado pela (quase) desconhecida Gugu Mbatha-Raw.

Também incomoda um certo maniqueísmo visto na obra de Peter Landesman. Dr. Omalu, por exemplo: conversa com cadáveres, tem 15 diplomas, não vê TV, não bebe, não fuma, vai na missa, sonha em casar e ter filhos. Em resumo: tem SEMPRE um comportamento absolutamente adequado ao que prega a moral e os bons costumes. O seu único "desvio" é a exigência em ser chamado de doutor - especialmente pelos desafetos - o que poderia sugerir alguma arrogância. No mais, é quase como uma reencarnação de Cristo na terra, de tão bondoso. A falta de complexidade dos demais personagens também não contribui para uma construção mais digna. Os cartolas da NFL, por exemplo, parecem todos possuir caráter duvidoso, nunca se mostrando interessados em uma solução mais humana para o caso, dando a impressão de que só o dinheiro, o poder e a fama interessam. O mesmo vale para os políticos e para os médicos da Liga, sendo a exceção aquele interpretado por um deslocado Alec Baldwin. E a imprensa, que deveria estar em cima do caso, e que contribuiria certamente para a formação de uma história mais verossímil? Quase não dá as caras.




Will Smith talvez esperasse ser indicado por sua interpretação em Um Homem Entre Gigantes e, é preciso que se diga, ele se empenha ao máximo para entregar uma caracterização adequada ao que manda o roteiro, sendo um pouco mais sutil na dramaticidade do que em outras ocasiões - ainda que não abra mão da testa franzida O TEMPO TODO pra denotar melancolia. Só que o filme é apenas mediano. As regras e os métodos aplicados na NFL se modificaram, em meados dos anos 2000, fruto do trabalho intenso do Dr. Omalu e de muitas sessões e disputas em tribunais e em salas oficiais. Só que o impacto daquilo que foi alcançado e do que representou esse processo na vida dos envolvidos, acaba minimizado por uma direção rasa e que não avança para outros pontos que pudessem tornar a abordagem mais rica. Fica a impressão de que, nas mãos de um grande diretor, Um Homem Entre Gigantes, pudesse SIM, estar entre os favoritos do Oscar. O que não ocorreu, diga-se, com certa justiça.

Nota: 5,5

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