sexta-feira, 11 de março de 2016

Pérolas do Netflix - Drive

De: Nicolas Winding Refn. Com: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Oscar Isaac e Albert Brooks. Drama, Thriller. Estados Unidos, 2011, 100 minutos.

There's something inside you
It's hard to explain...

Existem filmes cuja atmosfera contribui muito mais para contar a sua história do que propriamente o roteiro e/ou diálogos. Na obra máxima do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn (Bronson, Guerreiro Silencioso, Só Deus Perdoa), Drive, este conceito é levado ao pé da letra. Baseado no livro de James Sallis e adaptado por Hossein Amini, o filme - vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor direção - conta a história de um homem misterioso e taciturno (Gosling), cujo nome e passado não sabemos e que passa seus dias entre o isolamento em seu apartamento e os afazeres profissionais. Exímio motorista, além de trabalhar na oficina da figura paternal Shannon (Cranston, de Breaking fuckin' Bad), ganha uns extras como dublê em cenas de ação envolvendo acidentes automobilísticos, além de servir como piloto para criminosos que necessitam fugir dos locais de crime.

Dono de uma ética particular, o anti-herói não se envolve diretamente na execução dos assaltos, sendo responsável por deixar os bandidos no local do crime e, no tempo máximo de 5 minutos, tirá-los dali a salvos da polícia - como a cena introdutória se apressa em demonstrar, numa perfeita explicação do modus operandi de nosso protagonista (bem como seu talento para escapar das situações mais perigosas). Dotado de uma frieza quase insuportável, o personagem (interpretado de forma minimalista por Gosling) parece fugir de algo que não sabemos - e nunca saberemos exatamente o quê é - mas que vê seu mundo ganhar cores até então inéditas ao se deparar com a vizinha Irene (Mulligan, numa dosagem encantadora de doçura e inocência) e o amável filho Benicio, cujo pai Standard (Isaac) encontra-se prestes a retornar da prisão. É previsível notar que o mesmo afeto despertado por essa família na figura apática de nosso protagonista trará consequências inevitáveis para o seu futuro, ainda mais quando Standard retorna e se vê pressionado pela máfia a realizar um crime como forma de pagamento de uma dívida antiga - e que contará com a ajuda de seu mais novo "amigo", no intuito de salvar sua esposa e filho que vêm sendo ameaçados.


Abusando dos silêncios, dos diálogos quase monossilábicos, das expressões faciais, e de uma trilha sonora saída aparentemente direto dos anos 80 (contribuindo para a aura neon do filme, que possui um magnífico design de produção), Refn faz aqui sua obra mais acessível - muito embora a ultraviolência tão constante na filmografia deste se faça presente de forma pontual e impactante - o que não significa que esta seja uma obra de fácil assimilação, pelo contrário: ao subverter o gênero "filme de ação", gerindo o ritmo da obra de forma quase contemplativa, o diretor estimula o envolvimento emocional do espectador, sendo fundamental para que nos importemos com aqueles personagens em um primeiro momento tão pouco atrativos. Vale ressaltar o brilhante trabalho de cinematografia realizado por Newton Thomas Sigel, que consegue em diversos momentos utilizar apenas um plano sem um único diálogo para sugerir uma série de simbolismos e sentimentos.

Contando com inusitados toques de humor nos diálogos entre os mafiosos Bernie (Brooks) e Nino, é a tristeza e melancolia que imperam nesta magnífica (e estilosa) obra. Ao retratar um homem que aprendeu a evitar qualquer envolvimento emocional como forma de sobrevivência, é no mínimo irônico concluir que, ao se deixar levar pelo amor despertado por Irene e o menino Benicio, revelando um instinto protetor até então insuspeito, este será ao mesmo tempo sua salvação e ruína (quem nunca?). E que esse turbilhão de emoções absurdamente internalizado venha a se manifestar de forma tão violenta e literalmente visceral é o que torna este personagem tão fascinante e trágico: sem conseguir fugir de sua natureza autodestrutiva mesmo tentando fazer o que é certo - algo que o embate final demonstra de forma sublime, sutil, e incrivelmente triste - é na imagem de uma estrada longa, escura e solitária que vivenciamos um drama demasiadamente humano, pois no fim das contas estamos sempre sozinhos - mesmo que em alguns pontos do caminho 'pequenos milagres' confiram algum sentido à nossa vazia existência.


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