Pra se ter uma ideia do tipo de terror a que será submetido o espectador na sessão do austríaco Boa Noite, Mamãe (Ich Seh Ich Seh), em uma das primeiras cenas do filme, dois meninos aparecem caminhando sobre uma terra erodida usando crocs. Pensem, bem: CROCS! Mas, passado o trauma dessa cena verdadeiramente perturbadora - peço perdão pela brincadeira infame, mas não resisti - o que acompanharemos a partir dali será muito menos um filme de sustos fáceis e reviravoltas forçadas e muito mais uma obra de suspense contemplativo, de ritmo lento, bem ao estilo do cinema europeu, capaz de formar uma saudável mistura de Susanne Bier com Michael Haneke - o que, por si só, vamos combinar, consiste-se em uma excelente credencial. (e se você viu o trailer poderá se surpreender com a ausência de cortes rápidos, trilha corpulenta, sobressaltos ocasionais e outros clichês do gênero no decorrer da projeção)
Na trama somos apresentados a dois gêmeos de nove anos - Lucas e Elias - que recebem a mãe (Wuest) de volta, que estava afastada há alguns dias da residência rural da família para a realização de uma série de cirurgias plásticas. O problema é que o retorno da progenitora - com o rosto todo enfaixado, formando um conjunto quase monstruoso - também é acompanhado, aparentemente, de uma certa mudança não apenas física, mas comportamental por parte dela. O problema, nesse contexto, é que os meninos passam a desconfiar de que aquela não se trata efetivamente de sua mãe - algo reforçado pela dificuldade dela em reconhecer o seu "personagem" em um simples jogo doméstico, os excêntricos métodos de repreensão aos garotos ou mesmo pelas sutis alterações em seu rosto, como a ausência de uma marca de nascimento.
Veronika Franz e Severin Fiala, a dupla de realizadores, constroem o seu suspense a partir do ponto de vista dos meninos - e de suas andanças em meio a plantações de milho, casas abandonadas, cômodos velhos e brincadeiras tolas. Tudo é conduzido de maneira a tornar o clima absolutamente sufocante conforme as dúvidas vão se tornando muito maiores do que qualquer certeza - ainda que isso implique em um roteiro elaborado sem nenhuma pressa e disposto a utilizar a sutileza como ponto principal de seu argumento. E mesmo a simples presença de um gato abandonado, o curioso criadouro de insetos nojentos ou as estratégias utilizadas pelos meninos para desvendar o mistério - como a colocação de um rádio comunicador no quarto da mãe - pouco ajudam em relação ao destino que tomará a narrativa. E que renderá uma boa surpresa para aqueles que não desvendarem qualquer segredo previamente - algo que ocorreu com este desligadíssimo jornalista que vos escreve, diga-se.
Ao rechear a história com pistas que podem indicar o que efetivamente aconteceu com aquela família - o quadro da mãe que insiste em aparecer borrado em uma das paredes da mansão, a fotografia que já não existe mais no álbum de retratos, os sonhos macabros de um dos meninos, a insistência da progenitora em ignorar um dos filhos, negando-se inclusive a dar comida a ele -, os diretores realizam não apenas um ótimo suspense, mas também um muito bem intrincado drama familiar. E que se tornará ainda mais dramático no terço final, quando algumas atitudes drásticas dos garotos, com o objetivo de arrancar a "verdade" de sua mãe, poderão modificar o destino de todos para sempre. Para quem procura um suspense de qualidade, em meio a um segmento poluído por filmes de gosto duvidoso e por produções quase sempre óbvias, Boa Noite, Mamãe, se apresenta como um verdadeiro respiro para o gênero. Ainda que, em muitos momentos, a história lhe deixe sem ar.
Nota: 8,0
tá parecendo "Os Outros", de Alejandro Amenábar.
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