terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Novidades em DVD/Now - Border (Gräns)

De Ali Abbasi. Com Eva Melander, Eero Milonoff, Andreas Kundler e Jörgen Thorrson. Drama / Fantasia, Dinamarca / Suécia, 2018, 105 minutos.

[ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS]

Border (Gräns) é um filme estranho, desconfortável, eventualmente grotesco. Decididamente não indicado para todos os paladares, ainda que dotado de algumas boas intenções na percepção daquilo que é diferente - e que deve, sim, ser respeitado, já que não é a "estampa" que define o caráter. Mas há uma sensação de estranhamento generalizado. De deslocamento. De instabilidade. Há algo que nos incomoda o tempo inteiro e que nos escapa o alcance. Não é apenas a figura picaresca de Tina (a bela atriz Eva Melander, embaixo de uma maquiagem tão exemplar que rendeu à obra de Ali Abbasi uma indicação ao Oscar nessa categoria). É o seu comportamento, o seu gestual. Dotada de algum tipo de "sexto sentido", utiliza as suas habilidades para, na condição de guarda de fronteira em uma aduana, identificar contrabandistas ou pessoas que possam estar ligadas a algum tipo de crime. É um trabalho que ela executa em silêncio, sem extravagância e com grande firmeza de propósito.

Lá pelas tantas cruza pelo seu caminho um certo Vore (Eero Milonoff, também debaixo de uma pesada maquiagem), que chama a atenção de Tina, que parece "farejar" algo de errado nele. Semelhante fisicamente a ela, o homem passa a ser investigado, sendo constrangido ao ser revistado - e será a partir daí que algumas das tantas dúvidas a respeito do caminho adotado pelo roteiro, que vai do drama à fantasia sem muitas concessões, começarão a ser dissipadas. Estabelecendo diálogo com a Mitologia Nórdica, a obra mergulha no suspense sensorial, com Tina se apresentando ao mesmo tempo como uma figura folcloricamente engimática (que possui uma relação quase simbiótica com a natureza e com a vida selvagem), ao passo que também é alguém moralmente ética, que é surpreendia ao descobrir a natureza de sua própria existência - condição que emergirá num misto de sofrimento, fúria e até sensualidade.


É um filme nada óbvio e confesso que poucas vezes assisti a algo tão animalesco e sensível em igual medida. Tina é uma figura taciturna que vai se revelando aos poucos ao espectador, especialmente após a chegada de Vore. Tecnicamente impecável, a película abusa dos enquadramentos estranhos, do uso da profundidade de campo e dos closes de seus protagonistas feios (e belos?), para tornar a experiência ainda mais imersiva. A fotografia acinzentada, pálida, melancólica, fornece um tipo de contraste, especialmente nos momentos em que a dupla se regozija em meio à natureza, em seus rios caudalosos, ramos e galhos verdes e encontros fortuitos com os animais da floresta. Já a edição de som torna palpável o exercício de "farejar". É uma trama amarrada em meio à peculiaridade da vida estranha que, em seu limite, trabalha temas como sensação de pertencimento (especialmente em um mundo que odeia minorias) e solidão - mesmo quando estamos acompanhados.

E ainda que funcione bem como trama de mistério e policial - uma rede de pedofilia vai sendo descortinada aos poucos -, o suspense se estabelece muito mais pela curiosidade sobre a dupla central, que entrega um trabalho de interpretação não menos do que magnífico (e que se despe de toda e qualquer vaidade). Milonoff, por exemplo, consegue ser assustador, sombrio e misterioso em igual medida. E mesmo coadjuvante, como Jörgen Torsson, que vive o excêntrico Roland, que mora com Tina, também contribuem para a sensação de estranhamento generalizado que emana da tela (ele é um sujeito que é fã de jogos e de apostas, especialmente aquelas que envolvem animais). Exemplar genuíno daquilo que de melhor tem sido feito em países como Dinamarca e Suécia, a obra foi premiada na mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes - gerando burburinho em outros festivais. Veja. Por sua conta e risco.

Nota: 8,0



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