terça-feira, 29 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Boas Intenções (Les Bonnes Intentions)

De: Gilles Legrand. Com Agnés Jaoui, Claire Sermonne e Alvan Ivanov. Comédia dramática, França, 2019, 103 minutos.

São as mais variadas as formas das classes mais abastadas expiarem a culpa pelas diferenças sociais existentes no mundo. Da participação no Rotary ao envolvimento em projetos locais, vale tudo para reduzir o sentimento de desigualdade que, em muitos casos, tem muito mais a ver com massagem no próprio ego do que um efetivo pensamento em uma política mais igualitária. Aliás, se assim fosse, a grande maioria dos ricos não votaria em candidatos que buscam a manutenção do status quo. E assim, aquela madame generosa que vai a Igreja todo o domingo, segue fazendo caridade enquanto o mundo gira com milhares de pessoas passando fome, em guerra, morrendo. Com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Bom, em partes o que o filme Boas Intenções (Les Bonnes Intentions) mostra, é uma dessas tantas histórias: no caso, a da voluntária em projetos humanitários Isabelle (Agnés Jaoui).

Isabelle, diferentemente da "madame" que mencionei no parágrafo anterior, dedica todos os minutos de sua vida ao ativismo. Com uma vida confortável (não luxuosa), um marido e dois filhos, auxilia imigrantes doando roupas e ministrando aulas de francês para estrangeiros. Em sua rotina, se vê rodeada por chineses, búlgaros, congoleses e até brasileiros. O envolvimento é tanto, que ela até esquece que tem uma família em casa. E tudo piora quando aparece uma nova professora, a graciosa alemã Elke (Claire Sermonne) que, com uma nova e moderna metodologia, faz Isabelle se sentir ultrapassada. Lembra do que falei sobre ego? É nesse momento que a nobre intenção da protagonista da lugar a uma espécie de "guerra particular" para ver quem se sai melhor na tarefa. Com tudo piorando quando o instrutor de CFC Attila (Alvan Ivanov), "entra" abruptamente em sua vida.


Com narrativa fragmentada, o filme de estreia do diretor Gilles Legrand possui vários arcos dramáticos, discutindo muita coisa ao mesmo tempo - de dramas familiares, passando pela busca da aceitação até chegar a tentativa angustiada de "resolver" a miséria do mundo. De alguma forma, a obra também coloca em cheque o caráter ilibado dos bem-feitores de nossa sociedade - não teriam eles também seus preconceitos, como a gente percebe em uma das primeiras sequências em que Isabelle interage com os imigrantes? Com momentos de leveza, alternados com outros mais comoventes, a película parece em muitos momentos ter dificuldade de se decidir entre a comédia e o drama, entre a crítica política ou o escracho social. Sem tomar partido, estabelece a problematização a partir dos mais variados ângulos: não há certo ou errado e sim pessoas sonhando, exercitando suas vocações, tentando, errando e tentando novamente, errando mais um pouco e acertando.

Na ânsia de ajudar os "seus" imigrantes, Isabelle acaba brigando com praticamente toda a sua família. Mas ela está certa em adotar essa postura? Ela precisa individualizar um problema tão grande, gerando outros tantos conflitos? O filme te faz pensar nessas questões e nos faz também colocar a mão na consciência a respeito de nossas atitudes para tornar este um mundo melhor - ou minimamente com menos ódio, preconceito e intolerância entre povos. Com fotografia naturalista e trilha sonora econômica, o filme caminha para um terço final em que todos procurarão compreender, de forma coletiva, as suas motivações. Aliás, eu acredito que, para filmes do gênero funcionarem, é preciso que a gente se importe com aqueles que assistimos: isso em partes acontece. Sim, em partes, afinal de contas aqueles que assistimos não passam de humanos.

Nota: 7,0

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