quinta-feira, 6 de junho de 2024

Cinema - Jardim dos Desejos (Master Gardener)

De: Paul Schrader. Com Joel Edgerton, Quintessa Swindel e Sigourney Weaver. Suspense / Drama, EUA, 2022, 109 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]

"Nós somos jardineiros. Arrancamos as ervas daninhas." Vamos combinar que a carreira do diretor Paul Schrader - dos ótimos No Coração da Escuridão (2019) e O Contador de Cartas (2021) - pode até ser meio irregular, com altos e baixos. Mas, ainda assim, não dá pra negar a sua habilidade recente em construir personagens complexos, cheios de camadas e demasiadamente humanos. Sim, porque pro espectador é sempre muito cômodo ter os lados bem definidos: aqui está o mocinho, aquele é o bandido. Mas a beleza muitas vezes pode estar na ambiguidade. Na incerteza. Ao cabo, no centro de Jardim dos Desejos (Master Gardener) reside uma pergunta: um nazista pode se redimir? Ser reintegrado à sociedade? Ser colocado novamente no convívio das pessoas - inclusive de minorias, que ele cresceu abominando? Ou deve mofar para sempre na cadeia, por conta de seus crimes de ódio? A resposta talvez pareça óbvia - e talvez nas mãos de um diretor menos habilidoso, tudo saísse apenas maniqueísta.

Pensemos, por exemplo, no clássico moderno A Outra História Americana (1998), que nos apresentava a um dos supremacistas brancos mais repulsivos do cinema atual - personagem interpretado por Edward Norton em um estado de fúria e de violência latentes, resultado de uma educação reacionária, que o ensinou a, desde novo, oprimir qualquer minoria (pretos, gays, pobres, imigrantes). Outros medos abstratos - como o comunismo (sempre ele) -, o convertem em um sádico brutalizado. Um patriota ocasional. Temente a Deus. Profundamente estúpido em sua masculinidade mínima que só é capaz de resolver as coisas na força bruta. E que se arrepende de tudo quando aprende a lição da pior forma. Digamos que a situação de Narvel Roth (Joel Edgerton), o protagonista do filme de Schrader é semelhante: aprendeu a odiar, a ser intolerante ainda na juventude. Se tornando o abominável adepto do white power: um criminoso que supostamente está trabalhando pra limpar a sociedade de suas "ervas daninhas". 

 


 

Até o momento em que é apartado de sua família, sendo enviado para a propriedade da rica senhora Havervhill (Sigourney Weaver), em um conluio feito com a conivência das forças de segurança locais. Digamos que a ideia é fazer com que ele desapareça do mapa. E inicie uma nova vida. Sem passado. Sem ninguém. Discreto. Como horticultor, cuidando do vistoso jardim da proprietária. Um espaço tão bonito, tão idílico, que não apenas recebe visitantes, mas que também promove um leilão anual para caridade. Evento onde ricaços com calças caqui se engalfinham pelos exemplares mais bonitos de hemerocallis, nandinas, orquídeas e peônias. O próximo leilão está em vias de acontecer e a senhora Haverhill, que também é uma amante ocasional de Narvel, entrega a ele uma missão: fazer com que a bisneta de sua irmã, uma jovem de vinte e poucos anos - seu nome é Maya (Quintessa Swindel) - se torne sua pupila. Que possa aprender a arte da botânica. Uma jovem. Negra. De periferia. Envolvida com o tráfico. E, bom, nesse cenário de imperfeições, temos um filme.

Sem pressa, Schrader entrega uma experiência meticulosa, que se aproveita da beleza e do comportamento cíclico das plantas - suas sementes que germinam e adormecem ao fim da temporada - como uma alegoria até meio óbvia da conduta humana, seus procedimentos, idiossincrasias, hábitos, mudanças, reconfigurações. Norvel é inegavelmente dedicado. Em uma cena comovente convida seus alunos a cheirarem a terra. Beijarem. Fazendo uma conexão direta com a natureza, a vida, seus elementos. "Você não pode planilhar a natureza, ela sempre vai te surpreender", escreve nas páginas de seu diário, atualizado cotidianamente. Muitas vezes o protagonista parece estar falando dele mesmo: de sua conversão, da saída de uma agricultura mais envenenada para outra mais solidamente calcada no respeito ao meio ambiente, na sustentabilidade. Um nazista pode se reformar? Há espaço para isso em tempos de avanço da extrema direita e de grupos que não parecem ter nenhuma vergonha em professar um comportamento reacionário? Ao deixar o espectador em dúvida até o final, o diretor entrega uma obra única, complexa, profunda e repleta de camadas. Como um terreno fértil preparado para o plantio.

Nota: 8,5


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