De: José Eduardo Belmonte. Com Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini. Suspense / Drama, Brasil, 2024, 117 minutos.
Vamos combinar que a gente já viu muitas vezes esse tipo de filme de família classe média perfeita - ao menos na fachada -, que vê o seu cotidiano ser arruinado a partir de eventos traumáticos. E se esse subgênero não chega a ser exatamente uma novidade, dá pra considerar o esforço do cineasta José Eduardo Belmonte que, a partir do livro popular de Raphael Montes (que também escreve o roteiro), constrói um thriller que envolve e que tem lá seus acertos - a despeito de um ou outro exagero aqui e ali ou alguma falta de lógica acolá. Na trama de Uma Família Feliz, o casal central Eva (Grazi Massafera) e Vicente (Reynaldo Gianecchini) mora em um condomínio fechado de um bairro nobre estando, oficialmente, "grávidos" do primeiro filho juntos - as gêmeas que estão completando dez anos ainda no começo da história são filhas do casamento anterior de Vicente, interrompido por causa da morte de sua ex-esposa, em circunstâncias não muito claras.
E como se não bastasse Eva ter de lidar com a maternidade em si - e com as dificuldades decorrentes de um bebê que se recusa a mamar e que não para de chorar por absolutamente nada no mundo, levando a protagonista a um quadro de aparente depressão -, ela ainda precisará enfrentar um problema outro problema quando, lá pelas tantas, uma das enteadas aparece com hematomas pelo corpo. Eva trabalha em casa - ou tenta trabalhar a partir da mudança de rotina, produzindo um tipo de artesanato meio bizarro que envolve a confecção de bonecos que recriam imagens de crianças reais (o que poderia adicionar, de alguma forma, um componente a mais de suspense) -, e não demora para que ela se torne a principal suspeita de ter machucado a criança. E como se desgraça pouca é bobagem, tudo piorará quando as lesões aparecerem também no bebê, com ela sendo acusada de ser uma agressora negligente (com a coisa escalando para o linchamento virtual, quando fotos vazam em um grupo de whats).
E não vou negar que há uma construção de suspense muito eficiente na primeira metade, o que é ampliado por certa sensação de incerteza o tempo todo. Há, por exemplo, uma câmera permanente em cima do berço do bebê e ver Eva voltando e avançando a fita tentando encontrar alguma pista do que possa ter ocorrido gera um senso de tensão interessante (ainda que a coisa deixe de fazer qualquer sentido quando da reviravolta final). Na mesma medida, uma casa fechada com seus moveis e cortinas impecáveis sempre poderá ser paradoxalmente claustrofóbica em seu silêncio cotidiano, ainda mais quando ocupada em um dos cômodos por bonecas um tanto macabras. O que reforça esse caráter geral de estranheza, ainda que ele nunca evolua para uma alegoria mais ampla sobre os temas abordados, especialmente o da sobrecarga materna - e admito que se houvesse mais sutileza nesse sentido, talvez o resultado fosse mais satisfatório.
Porque o caso é que nem tudo faz muito sentido na reta final. Uma mãe acusada de violência doméstica e nunca um pai (por mais que o roteiro insista em nos direcionar para essa real possibilidade)? Uma campanha de cancelamento sem qualquer prova de nada, ainda mais de uma mãe? Uma criança agredida incapaz de verbalizar qualquer coisa sobre o ocorrido? Um ato violentíssimo que é confrontado com um outro ato ainda mais violento? Ao tentar chocar por chocar, a impressão que temos é a de uma forçadinha na barra na tentativa de emplacar uma história de colapso da vida doméstica, que soa pouco realista em seu universo. Não é necessário ser realista, mas como eu disse antes, se a coisa fosse menos frontal ou se mantivesse mais no campo da sugestão ou da metáfora na abordagem da depressão pós-parto ou do peso que paira nas costas das mães, talvez fosse mais fácil comprar a ideia. Dessa forma, por mais interessante que seja o debate, ele se perde em uma mera conveniência para unir o final com o começo. A Grazi se esforça pra entregar o melhor. Mas fica uma sensação de que dava pra ser melhor.
Nota: 6,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário