segunda-feira, 10 de junho de 2024

Novidades em Streaming - Blue Jean

De: Georgia Oakley. Com Rosy McEwen, Kerrie Hayes e Lucy Halliday. Drama, Reino Unido, 2022, 97 minutos.

Vamos combinar que se tem uma coisa que a extrema direita é especialista é em vigiar a sexualidade alheia. Resultado de uma provável série de frustrações nesse campo, os reacionários são hábeis em colocar uma suposta decadência social e moral nas costas de gays, lésbicas, trans e outros grupos minoritários, como se fossem estes os responsáveis diretos pela depravação, pelo desvio de padrão e, pasmem, até por uma certa ditadura que visa a normalizar comportamentos que, para eles, são disfuncionais. Você já viu essa pessoa por aí. Na família, no trabalho, na vizinhança, sempre com algum comentário ou piadinha de mau gosto na ponta da língua, o que evidencia a sua completa incapacidade de encarar a sociedade como um organismo em transformação, empenhado em naturalizar toda e qualquer forma de amor. E basta ver o apelo que figuras como Trump, Bolsonaro e, agora, Milei, tem como essa parcela retrógrada e bolorenta da sociedade, pra entendermos que o pânico moral segue em alta como moeda de troca.

Sim, e se hoje em dia o campo progressista ainda tem que gastar longas horas em discussões nas redes sociais afirmando que não vai haver kit gay, que a mamadeira de piroca é só um delírio de zap e que debater sexualidade na juventude não converte educadores em pervertidos pedófilos - aliás, muito pelo contrário -, em décadas passadas a situação era ainda pior. E no ótimo filme Blue Jean, premiada estreia da diretora Georgia Oakley que está disponível na Mubi, o contexto é o final dos anos 80, na Inglaterra ultraconservadora de Margareth Thatcher. Com uma ampla campanha que envolvia peças publicitárias e políticas de supressão de direitos - como a tal Cláusula 28, que visava a reduzir o campo de ação de coletivos e de ativistas das causas LGBTQIA+ -, o que se viu foi um encolhimento do debate. E, como não poderia deixar de ser, o aumento do ódio, da intolerância e da perseguição. É nesse cenário complexo e de controvérsias que tenta sobreviver a professora de educação física Jean (Rosy McEwen).


 

Ainda que frequente uma boate gay, tenha uma namorada, Viv (a ótima Kerrie Hayes), e esteja habituada aos ambientes mais plurais, Jean tem dificuldade em expressar sua sexualidade mais livremente. Em, efetivamente, sair do armário. É uma situação complexa, inegavelmente, já que a protagonista prefere manter uma vida mais reservada até mesmo para preservar o seu emprego. A sociedade, com todo o seu preconceito, a gente sabe, pode reagir mal ao saber da simples existência de uma professora lésbica atuando em um educandário repleto de filhos das "famílias de bem" inglesas. Que sob o jugo de Thatcher se sentem autorizadas a combater a indecência, a "ditadura gayzista" e a exercer livremente sua homofobia. Para Viv, tudo isso é uma grande decepção. Sensação ampliada pelo comportamento meio alienante de Jean, que ocupa suas noites com programas de TV antiquados em que jovens héteros tentam encontrar um relacionamento. "Nem tudo precisa ser político", argumenta Jean à namorada. "Tudo é político", retruca Viv.

E uma atração televisiva que replica tanto machismo e misoginia certamente é parte da campanha que visa a disseminar o pânico moral - e de ampliar a ideia da homossexualidade (e também do feminismo), como algo em desacordo ao padrão. Para Jean, a coisa muda de figura quando entra em sua vida a jovem Lois (Lucy Halliday), que sofre bullying na escola por preferir o futebol com os meninos ao netball (uma variação do basquete) com as meninas. Em certo dia, Jean encontrará Lois na mesma boate gay que ela frequenta, o que as aproximará, inevitavelmente. Só que o problema é o estilo de luta de Jean: silenciosa, discreta, evitando chamar a atenção em um contexto de opressão. É claro que as coisas, mais adiante, irão descambar no educandário. Verdades virão à tona. E decisões mais complexas precisarão ser tomadas. Ao cabo, esse é um filme em que nada é tão simples e o tempo todo somos convidados a refletir sobre decisões tomadas - especialmente pela protagonista. É uma obra que ecoa nos dias de hoje. E que é bela como um sorriso de alívio - especialmente quando a consciência está tranquila.

Nota: 8,5


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