De: Richard Linklater. Com Glen Powell, Adria Arjona e Austin Amelio. Ação / Comédia, EUA, 2023, 115 minutos.
"As pessoas se desapontam em saber que matadores de aluguel não existem. A ideia de que há sujeitos no varejo que são contratados para assassinar alguém é coisa da cultura pop." Vamos combinar que uma das partes mais divertidas de Assassino por Acaso (Hit Man) é justamente essa subversão da lógica do que poderia ser uma produção do gênero. Sim, porque quando o filme inspirado em eventos reais inicia, temos a impressão de estarmos diante de algo meio genérico, bem naquele estilo de comédia de ação sobre o sujeito desengonçado que, do dia para a noite, se vê inesperadamente em uma posição que não é a dele. Ok, de alguma maneira isso até ocorre em partes, já que o protagonista Gary Johnson (Glen Powell) é um mero professor de Psicologia e Filosofia em Nova Orleans que, para complementar a renda, trabalha para uma delegacia de polícia instalando microfones e câmeras na intenção de identificar bandidos em potencial.
Em meio a longas divagações com seus alunos universitários - sobre temas que, aliás, tem a ver com a trama, como no instante em que o professor debate com a turma as diferenças do Superego e o Id (o primeiro sendo a consciência, que nos recompensa pelo bom comportamento e pela adesão às normas sociais e o segundo sendo os impulsos mais primitivos, os desejos baseados na busca do prazer sem levar em conta as consequências) -, o protagonista recebe um convite inusitado em um dia de trabalho na delegacia: o de substituir o colega Jasper (Austin Amelio), que foi suspenso por agredir um grupo de adolescentes, em meio a uma abordagem desastrada. Sim, Gary, com seu cabelo ajeitadinho para o lado, óculos de nerd e rosto de bom moço não parece ser o cara ideal para confrontar pessoas que pretendem contratá-lo como assassino profissional (claro, tudo parte de um estratagema para incriminar essas pessoas, que parecem dispostas a levar um crime a cabo, mas desde que não sujem as mãos).
Só que é nessa hora que entram as verdadeiras habilidades sociais de Gary. Como professor da área de humanas, ele é capaz de forjar uma persona diferente para cada uma de suas vítimas - o que envolve certa pesquisa prévia de personalidade. Tendo, aliás, um resultado muito efetivo na hora de incriminar os mandantes. Tudo vai mais ou menos bem até a hora em que ele é chamado para um encontro com uma jovem mulher de nome Madison (Adria Arjona), que alega sofrer violência doméstica do seu marido, que lhe impede de sair de casa, de viver. Adotando a persona que leva o nome de Ron, um homem sedutor, de modos seguros, fala firme e fã de cachorros, Gary oriente a jovem a abandonar a ideia da encomenda da morte do próprio marido. Mais do que isso, lhe recomenda usar o dinheiro que investiria nisso para sair da cidade e iniciar uma nova vida. Madison aceita a sugestão, só que Gary/Ron se apaixona. E, bom, haverá um novo encontro futuro e, assim, a coisa vai se desenrolar.
Em linhas gerais essa é uma experiência divertida e que mais uma vez evidencia a versatilidade do diretor Richard Linklater - de Antes do Amanhecer (1995) e Boyhood: Da Infância à Juventude (2014) -, que parece usar a trama como um veículo ideal para que Powell, um dos queridinhos do momento em Hollywood, utilize todo o seu carisma para se transformar em quase uma dezena de figuras distintas, bem de acordo com seus contratantes. Em um ótimo momento, ele vai ao encontro de um homem que parece o estereótipo do extremista de direita - um patriota, fã de armas e que tem saudade da América do passado -, se transformando para isso em um sulista meio caipira, que pode ser a isca ideal. Tudo para ganhar a confiança do "freguês". Sobre Madison, ela e Gary viverão altos e baixos, especialmente quando o ex-marido dela entrar na jogada, tentando também contratá-lo pra dar cabo da ex. As reviravoltas tem seu charme e a química do casal central funciona - ainda que algumas decisões gerem estranhamento. Mas quando pensamos no Superego e no Id não podemos esquecer que lá no meio há o Ego: e é ele que faz a ponte entre o instinto e a lógica, entre a lei e a ausência de lei. "Maximizar o prazer e minimizar os custos". É a lição que fica.
Nota: 7,0
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