terça-feira, 25 de junho de 2024

Cine Baú - À Meia-Luz (Gaslight)

De: George Cukor. Com Ingrid Bergman, Charles Boyer e Joseph Cotten. Suspense / Drama, EUA, 1944, 114 minutos.

Luzes que parecem piscar dentro de casa, objetos que desaparecem dos cômodos, barulhos que se originam no sótão, sensação de estar sendo vigiada o tempo todo. Todas as sensações experimentadas pela personagem Paula (Ingrid Bergman), no clássico de 1944 À Meia-Luz (Gaslight), e que decorrem do fato de que ela é vítima de manipulação psicológica sistemática, serviriam de base para que, anos depois, especialistas nomeassem esse tipo de abuso - que distorce a realidade e faz com que as pessoas pensem estar enlouquecendo - com o termo que é título original do filme dirigido por George Cukor. Passada no final do século 19, a obra começa com o assassinato misterioso da mundialmente famosa cantora de ópera Alice Alquist, que residia com Paula, sua sobrinha, em uma ampla mansão em Londres. A jovem é enviada à Itália para tentar seguir seus passos como cantora lírica, mas sem muito sucesso - num salto temporal de quase dez anos.

É nesse contexto que ela conhece um certo Gregory Anton (Charles Boyer), que a pede em casamento algumas semanas depois de iniciarem o relacionamento. E qual o local eles escolhem para seguir as suas vidas? A antiga casa da falecida tia, claro, um ambiente fechado, amplo, mas claustrofóbico, com suas escadarias vertiginosas, portas que darão para ambientes "secretos" e móveis que guardam documentos que podem ser reveladores do passado - como no caso de uma antiga carta, escrita por um suposto fã de Alice, apenas dois dias antes de sua morte. É tudo saborosamente misterioso, com a tensão subindo conforme os dias passam, especialmente quando Gregory passa a isolar Paula na casa. Impossibilitada de sair, a jovem passa a conviver apenas com as empregadas. E com os eventos estranhos que, aqui e ali, se ampliarão, fazendo com que ela passe a questionar sua própria sanidade.


 

Como forma de sepultar o passado, Gregory sugere colocar o antigo mobiliário da tia no sótão - e não demorará para que a protagonista tenha a impressão de ouvir passos vindos do forro. A luz, ligada a gás, sobe e desce a todo momento. Mas ela não está sozinha no ambiente? Em um dos tantos instantes perturbadores, Paula é acusada por Gregory de ter escondido um quadro - uma pintura - justamente em uma noite em que eles pretendiam sair para uma ida ao teatro. Aliás, as poucas saídas de casa são tensas, com o sujeito desdenhando da própria esposa, e até a humilhando em frente as demais pessoas. "Eu peço perdão, ela está muito doente", alega o chantagista para um grupo de pessoas durante uma festa organizada por um ricaço, quando do desaparecimento de um relógio. Como manipulação emocional pouca é bobagem, Paula passa a acreditar que é cleptomaníaca, que tá ficando doida, que enxerga pessoas que não existem, que escuta sons inexistentes.

Lá pelas tantas, um investigador da Scotland Yard de nome Brian Cameron (Joseph Cotten) percebe o comportamento um tanto ansioso da mulher - ele nota a semelhança dela com sua tia, de quem era admirador. Será a deixa para que o inspetor mexa os pauzinhos para desarquivar o processo de assassinato, que nunca foi solucionado. Tudo é conduzido com elegância e tensão: enquanto Paula mergulha em uma comovente espiral de decadência que é fruto do mais puro abuso emocional, Cameron se aproxima da verdade que envolve o passado obscuro de Gregory. Com uma performance angustiante, daquelas de despedaçar o espectador, Ingrid Bergman venceria o Oscar na categoria Melhor Atriz, na cerimônia de 1945. A obra, que teve inúmeras adaptações para o teatro e para o cinema, receberia outras nominações à premiação máxima do cinema, figurando ainda em uma série de listas de melhores de todos os tempos. Como no caso dos 100 Suspenses fundamentais do American Film Institute (em um honroso 78º lugar). É uma produção que completa 80 anos de lançamento. E que vale resgatar.


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