sexta-feira, 21 de junho de 2024

Pitaquinho Musical - Vince Staples (Dark Times)

"A maneira como eu olho pra música - especialmente a música urbana, das pessoas negras ou como queira chamar - é que estamos todos no zoológico e os ouvintes são as pessoas fora da gaiola". Quem acompanha a carreira do rapper Vince Staples sabe que, em meio a momentos mais introspectivos (Summertime '06), dançantes (Big Fish Theory), furiosos (FM!) ou resignados (Ramona Park Broke My Heart), sua produção sempre foi marcada por uma crueza que não romantiza os seus temas. Em mais de uma entrevista - como no caso da citação que abre esse textinho, em conversa com a Pitchfork -, ele mencionou haver alguma desconexão entre certos artistas e quem os consome, especialmente na ânsia de dar um polimento, um certo brilho glamourizante aos problemas da periferia, numa espécie de glorificação do rap (o que se vê muito nos videoclipes, por exemplo). Violência policial, racismo estrutural, tráfico de drogas e crise da masculinidade são assuntos que, aqui e ali, surgem sempre pontuados por um estilo minimalista, sem floreios, com batidas no limite da monotonia, efeitos econômicos e um vocal muito mais falado do que gritado.


 

Sim, Staples pode ser engraçado nas redes sociais ou totalmente debochado nas entrevistas, que sempre levam os jornalistas à loucura - uma das melhores histórias é ele falando pra um profissional que o disco Big Fish Theory era afrofuturista, só pra depois ir ao Twitter pra afirmar que "gosta de dizer bobagens sobre pessoas negras, para pessoas brancas". Só que quando o assunto é os seus álbuns há uma propensão à levar a coisa mais sério, tanto que o ouvinte desavisado pode se surpreender com a sofisticação crua, as melodias envolventes e a oratória casual e quase desinteressada, com que fluem registros como este Dark Times, o sexto da carreira. A música tem uma turbulência realista, sem maquiagem, com menos palavras ditas por centímetro quadrado, mas muito impacto. Ao cabo, como se já não bastassem esses méritos, ainda é um disco simplesmente bom de ouvir. Agradável, fluído, com refrãos diretos, como no caso da ótima Étouffée e da e tensa Government Cheese (Don't forget to smile, diz o refrão). Aqui e ali, há espaço pra guitarrinhas litorâneas, como nas enevoadas Radio, Shame on the Devil e Children's Song. O que também evidencia a abertura para novos caminhos nas melodias. É um dos melhores do ano.

Nota: 9,0

 

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