segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Novidades em Streaming - Saltburn

De: Emerald Fennel. Com Barry Keoghan, Jacos Elordi, Rosamund Pike, Alison Oliver e Richard E. Grant. Suspense / Comédia, Reino Unido / EUA, 2023, 127 minutos.

Vamos combinar que existe um certo magnetismo em Saltburn que faz com que seja simplesmente impossível desviar os olhos da tela. Sim, o novo filme de Emerald Fennel - de Bela Vingança (2020) -, pode ser exagerado, excêntrico, muitas vezes improvável. Em alguns momentos até meio sem sentido. Em alguns instantes não parece sequer haver lógica no comportamento dos personagens - por mais complexas ou ambíguas que sejam as suas personalidades. A gente é surpreendido porque a narrativa nos conduz a isso, ainda que nunca consolide as suas etapas para além de um conjunto de instantes provocativos ou iconoclastas. Chocar por chocar? Talvez. Estamos falando de uma simples obra de arte, em que a diretora considerou ok colocar o seu protagonista bebendo água de banho misturada com sêmen como forma de fortalecer uma ideia de vínculo amoroso (ou de amizade), que se mescla com a intenção alegórica de simplesmente "engolir" alguém. Com todos os fluídos, sangues e peles.

E Fennel, não se pode negar, é bastante literal nessa abordagem e mais de uma vez nos apresenta a Barry Keoghan como o doidinho de bairro que parece disposto a qualquer coisa para alcançar a ascensão social. Um jovem alpinista - como se diz no linguajar das elites. Aliás, parêntese importante: Keoghan tem se especializado em entregar figuras carismáticas, esquisitas, introspectivas e sombrias, que talvez não tenham comparecido à mais recente sessão com o psiquiatra e que tem grande chance de não estarem com a paroxetina em dia - e basta pensar em sua formidável participação em O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), A Lenda do Cavaleiro Verde (2021) e Os Banshees de Inisherin (2022) para que tenhamos a certeza de que ele encarna figuras extravagantes como ninguém. E [SPOILER] isso que nem vou me aprofundar na cena em que ele sacode o esqueleto e a rola, peladão, em uma mansão tão decadente quanto pomposa, ao som da energética Murder on the Dancefloor, de Sophie Ellis-Bextor [FIM DO SPOILER].

Aliás, a tal mansão é justamente a Saltburn, que dá título a obra. É nela que Oliver Quick (Keoghan) - estudante de origem humilde, com direito a pais problemáticos (envolvidos com tráfico de drogas, violência e outras tragédias) - vai parar, a convite do charmoso e carismático Felix (o boa pinta Jacob Elordi). Felix é tudo aquilo que Oliver não consegue ser. Enquanto o primeiro é uma figura atraente, extrovertida e cheia de vida, o segundo é fechadão a ponto de ser relegado, em um primeiro momento, a amigo ocasional de um nerd estudante de matemática da Universidade de Oxford, onde todos ali são acadêmicos. Só que num certo dia, Oliver ajuda Felix com sua bicicleta que está com o pneu furado, levando ainda seus livros para a biblioteca. Com o "gelo quebrado", uma improvável amizade se forma. E para que o tristonho Oliver não precise retornar para o seu lar disfuncional nas férias, Felix o leva junto à imponente mansão de sua família.

E lá ele terá contato com outras figuras curiosas da família Catton, caso de Elspeth (a mãe de olhos meio perdidos encarnada com vivacidade por Rosamund Pike), sir James (Richard E. Grant, claramente se divertindo no papel do patriarca de modos afetados), além de Venetia (Alison Oliver), uma jovem tão hedonista quanto niilista e que servirá como ponte para que Oliver, aqui e ali, estreite os laços com todos. Orbitando esse núcleo ainda há a problemática Pamela (Carey Mulligan em papel pequeno, mas eficiente), que interpreta uma amiga de Elspeth, que tenta de recuperar após alguns relacionamentos frustrados e um período em rehab. Mas o centro de tudo é Oliver. É dele que não conseguimos desviar a atenção. Todos os seus gestos parecem calculados. Seu comportamento parece ambíguo o tempo todo - e o filme nos leva de lá para cá em meio a cenários verdejantes que parecem contrastar com a violência que se avizinha. Ao cabo esse é um projeto meio entortado, espirituoso, que talvez não seja de fácil digestão. Mas a arte tem dessas surpresas, nos divertindo em meio ao caos, ainda que nem tudo pareça ter qualquer lógica depois de tudo. A vida também é assim, não esqueçamos.

Nota: 8,0


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