quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Cinema - Folhas de Outono (Kuolleet Lehdet)

De: Ari Kaurismäki. Com Alma Pöysti, Jussi Vatanen e Janne Hyyti'inen. Drama / Comédia, Finlândia, 2023, 81 minutos.

Quem acompanha a carreira do diretor Ari Kaurismäki já sabe que há uma certa tradição na sua obra, de unir o universo do trabalho com o das relações pessoais, estabelecendo um vínculo entre esses ambientes, apontando como um afeta o outro. Em seus filmes - sempre experiências meio secas, dotadas de um humor sombrio, torto, que parece até mesmo rir do absurdo do mundo - somos apresentados a figuras que parecem buscar seu lugar no mundo, ao passo que vivem rotinas vazias, ocas, repetitivas. Ainda assim é nesse aspecto mais ordinário da existência - em seus acasos, surpresas, pequenos acontecimentos -, que parece residir a sua força narrativa. Sim, não há grandes eventos aqui. Ainda que a violência meio institucionalizada esteja meio pelas frestas. Com as personagens e suas expressões opacas funcionando como uma espécie de resposta resignada, letárgica. O que, em alguma medida os deixa imobilizados.

E talvez não seja por acaso que uma de suas principais trilogias tenha recebido o sugestivo nome de Trilogia do Proletariado. Nessa trinca de filmes intitulados de Sombras no Paraíso (1986), Ariel (1988) e A Garota da Fábrica da Caixas de Fósforos (1990), a pasmaceira existencial é evidenciada em rimas visuais que colocam seus protagonistas como figuras vulneráveis, eventualmente alienadas, que apenas subsistem em meio a mecanicidade do mundo. Na terceira obra da trilogia, talvez não seja por acaso, por exemplo, que o diretor se prenda tanto em sequências que mostrem os maquinários em funcionamento, em cenas meio repetidas, que se alternam pela busca niilista de algum tipo de prazer eventual - seja em cigarros infinitamente acendidos, seja em boates aleatórias, com músicas estranhas. É um universo meio que de fanfarronice, que vai no limite entre o documental e o excêntrico, entre a crítica social e a besteirada.

Sim, já vi muita gente falando que não gosta tanto do estilo do realizador justamente por esse certo apelo ao deboche, como forma de analisar a tragédia da vida. E tá tudo bem. Mas um olhar mais apurado possibilitará justamente entender essa contraposição entre indústrias barulhentas e seus chefes cheios de exigências pra cima do proletariado, que contrastam com bares, karaokês, bebidas e hoteis decadentes. A propósito, a Finlândia que o diretor apresenta costuma se distanciar daquela que nos acostumamos a ouvir falar - a da qualidade de vida acima de tudo. Nas suas obras sobram criminosos, estelionatários, cenários sombrios, grosserias diversas. No recente Folhas de Outono (Kuolleet Lehdet), que venceu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, todo esse expediente se repete, sendo reforçado e martelado por notícias que saem do rádio e da televisão, a respeito das guerras do mundo e de outras tragédias universais - o que talvez tornasse ainda mais mesquinha a busca particular (e hedonista) por felicidade? Talvez.

Na trama, Ansa (Alma Pöysti) é uma funcionária que trabalha no estoque de um supermercado e que perde o emprego após tentar esconder um sanduíche vencido que deveria ir para o lixo. Por outro lado, Holappa (Jussi Vatanen) é um operário de uma empresa de jateamento de areia, que também está por um fio no seu cargo por conta do alcoolismo. Duas almas solitárias que se cruzarão, a partir de um acontecimento absolutamente fortuito: no caso a prisão do novo chefe de Ansa, em seu novo emprego. Só que as tentativas de estabelecer vínculo meio que falharão miseravelmente: Holappa simplesmente perderá o bilhete em que Ansa escreve o seu número de telefone. O que fará com que os dois batam cabeça pela cidade, em meio a calçadas, ruas e cinemas. Com diálogos curtos e muitos silêncios, esse é aquele tipo de experiência que se vale de olhares e de movimentos corporais sutis mas que dizem muito. Pode não ser tão palatável, mas tem aquela coisa do cinema pelo cinema, da arte acima de tudo. Que foge de convenções e que tem personalidade própria em sua análise contemporânea das relações humanas.

Nota: 8,5


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