terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Cinema - Vidas Passadas (Past Lives)

De: Celine Song. Com Greta Lee, John Magaro e Teo Yoo. Drama / Romance, EUA, 2023, 106 minutos.

Vamos combinar que talvez o grande mérito de Vidas Passadas (Past Lives) seja justamente fugir da narrativa óbvia, previsível, que, muito provavelmente em outros tempos, movimentaria romances como esse. Sim, a obra da Celine Song te pega pela nostalgia - e não há absolutamente ninguém que não vá se recordar de uma paixão juvenil, de um amor ainda ingênuo, enquanto acompanha a história. Como seria? como poderia ter sido? Enfim, esse tipo de coisa. Mas ao mesmo tempo a experiência não é mesquinha ou romanticamente vazia ao imaginar que tudo seria um mar de rosas se, efetivamente, tivéssemos permanecido com o primeiro amor. Aliás, é muito raro alguém namorar, casar, constituir família e ficar eternamente com aquele coleguinha de sala de aula, ou com a vizinha do bairro que era companhia de brincadeiras (quando a sexualidade mal tinha despertado). Dá pra contar esses casos nos dedos. E olhe lá.

Nesse sentido, há uma parte que gosto bastante no filme, que é o instante em que Nora (Greta Lee) e Arthur (John Magaro) estão deitados na cama, quando ela finalmente conseguiu ter o primeiro encontro com Hae Sung (Teo Yoo), 24 anos depois de sua família deixar a Coréia do Sul, em direção ao Canadá (por motivos de trabalho). Num misto de ciúmes contidos e senso de humor, Arthur brinca sobre esta ser a etapa da história em que ele, o norte americano branco, está interferindo no destino dos dois, que só se casaram pra que ela obtivesse o Green Card e que isso poderia ter ocorrido com qualquer outro homem. "Aliás, esse é o momento em que você me abandona para retornar a Coreia do Sul com ele, sua grande paixão da juventude", ele completa. Sim, como eu disse acima, talvez se esse fosse um filme previsivelmente romântico. Mas ocorre que Nora agora tem uma carreira como escritora em Nova York. E, como dito por sua própria mãe, deixar algo pra trás também pode significar ganhos.

E o caso é que a gente percebe, durante a experiência com o filme, que somos seres em transformação. Que estamos mudando o tempo todo. E que talvez coisas que tivessem profundo significado lá no passado, sejam agora apenas isso. Coisas do passado. Na nossa memória. Que, aqui e ali, regressarão de forma afetuosa em nossa mente. Em certa altura, Nora - que quando era uma adolescente moradora de Seul recebia o nome de Na Young - comenta com o atual marido sobre o fato de não se sentir nada coreana depois de tantos anos. "Mas ao mesmo tempo eu me sinto extremamente coreana quando estou com ele", verbaliza ao companheiro, sobre os encontros com Hae Sung. Afinal de contas, aquele homem por quem ela nutriu uma paixonite na juventude, é extremamente coreano. No sentido mais tradicional da coisa: meio conservador, taciturno, sério, com um carisma quase negativo. Não há idealização aqui ou a conversão de Hae Sung num sujeito dinâmico, extrovertido, magnético, sedutor. Ele talvez siga sendo mais ou menos quem ele era. Já Nora? Bom, Nora hoje é Nora. Com outro nome e tudo.

Todos esses pontos são interessantes no filme: uma mulher que não abre mão de sua carreira de escritora em ascensão por uma utopia amorosa, a quebra de paradigma em relação ao casal que deveria ficar junto no final (em detrimento do casal possível), o certo apelo à nostalgia que mexe com as nossas próprias recordações e memórias. São muitas sequências interessantes, inclusive as que envolvem o antagonismo da própria cidade acinzentada - o caso de Nova York -, em um comparativo com certo bucolismo asiático, com suas estátuas, áreas verdes e outros. Tudo isso é elegante, instigante, o que envolve ainda uma trilha sonora existencialista, que se soma à observações culturais da própria Coreia, como a sedutora história do In-Yun - que dá conta de uma lenda sobre nos encontrarmos em milhares de vidas passadas (nos esbarrando, que seja) para, a partir desse acúmulo, nos relacionarmos. "É há algo que usamos para seduzir alguém", comenta Nora em tom de deboche, em um dos primeiros encontros com o futuro marido. Ao cabo, esse é um filme que seduz em todos os sentidos. Por mais simples que seja.

Nota: 8,5


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