quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Novidades em Streaming - O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind)

De: Sam Esmail. Com Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha'la Herrold e Kevin Bacon. Ficção científica / Drama / Suspense, EUA, 2023, 129 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO POSSUI ALGUNS SPOILERS]

Por quê os cervos aparecem do nada na casa? Qual o sentido daquele barulho estridente? E o avião que solta um monte de fôlderes contra os Estados Unidos? E a casa do vizinho destruída? E como pode, com tanta oferta disponível nos dias de hoje, uma menina de 13 anos ser fã de Friends? Como? COMO??? Sim, são muitas as perguntas sem resposta no recém lançado pela Netflix O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind) e até não teria problema nenhum concluir o filme com mais dúvidas do que certezas. Isso até é bem normal na produção atual. Finais ambíguos, abertos, com pontas meio soltas, cabendo a nós juntar tudo pra dar algum sentido - e eu não li o livro de Rumaan Alam pra saber se segue a mesma lógica. Só que aqui parece ser justamente a falta de um sentido - algo que pudesse amarrar de alguma maneira esses eventos todos - que incomoda. Ok, o mundo está sendo abalado por um ataque terrorista cibernético de grande escala. E por causa disso os flamingos vieram tomar banho na piscina do jardim. Sei lá.

Talvez essas sejam questões menores no combo todo, até mesmo porque, como suspense e como drama familiar, a obra de Sam Esmail (nome por trás da série Mr. Robot) funciona direitinho. A gente fica meio que preso naquele universo intrigante, tentando adivinhar o que vai acontecer. Ou até mesmo o que aconteceu de verdade. No cerne, uma série de questões espalhadas: a primeira e mais gritante parece envolver os limites da tecnologia (e de como ela ao mesmo tempo pode nos aproximar e nos afastar). "O caso é que eu odeio pessoas", comenta Amanda (Julia Roberts), ainda no comecinho do filme, como que justificando a escolha por uma casinha isolada em Long Island para uma espécie de refúgio da rotina, das gentes, de todos. Ela passa um tempo olhando pela janela o vai e vem dos seres humanos em mais um amanhecer prosaico. E aquilo meio que irrita ela. Aliás, quem não se irrita com as pessoas, né? Nós, esses serem inúteis e individualistas.

E aqui está o segundo ponto da narrativa: justamente a nossa dificuldade atual de se relacionar. De ter qualquer tipo de empatia. De não julgar previamente aquele que mal conhecemos. Quem nunca? Em tempos de polarização política, basta o cara usar um sapatênis para que já tiremos conclusões prévias: "a lá o votante do Novo, de certo deve ter um barber shop com temática roqueira, que passa o dia todo tocando Pink Floyd sem que ele sequer compreenda as letras". A gente faz isso, o tempo todo. "Eu vejo bolsonaristas" parece ser um mantra. No trânsito, na fila do mercado. Aliás, a bandeirinha do Brasil estampada em qualquer parte já nos ajuda a saber quem são os ditos. Só que Amanda fica meio apreensiva quando, do nada, aparecem na casa alugada por ela no Airbnb, justamente os donos da moradia. No caso G.H. Scott (Mahershala Ali) e sua filha Ruth (Myha'la Herrold). Sob a alegação de ter havido um apagão na cidade - todos estão sem luz e sem internet -, eles pedem abrigo na casa da qual são os proprietários. Para estranhamento de Amanda, seu marido Clay (Ethan Hawke) e os filhos.

Sem redes sociais, sem internet, sem TV que seja eles não conseguem ter nenhuma informação. Não conseguem também se investigar - suas vidas, seu passado, quem são. Amanda alugou a casa online, então sequer consegue ter certeza se G.H. é de fato o dono. E a situação piora para o lado dela, quando o componente racial parece ser motivador da desconfiança. Claro, mais adiante a obra fará um aceno para a importância dos laços de afeto, da união como caminho para a pacificação em um universo que parece fadado ao colapso - social, político, religioso, tecnológico e ambiental (este, me parece, o terceiro ponto que está nas entranhas da narrativa). Os flamingos tomando banho na piscina parecem ser um lembrete de que o caos climático tem destruído ecossistemas - gerando reações diversas da natureza. Enxurradas, seca, degelo, extinção de espécies, ciclones, desertificação. Estamos nos implodindo, nos autodestruindo e talvez os cervos nos olhando com aquela cara de what a fuck possam fazer algum sentido meio de realismo fantástico na coisa toda. Ainda que nada se explique. A arte como porto seguro em meio ao colapso, pode ser um quarto ponto? Basta lembrar como ela foi importante na pandemia. Talvez eu só escolhesse uma outra série pra representar. Ou vai ver esse caminho afetuoso e nostálgico seja parte do combo da esperança por dias melhores.

Nota: 7,5


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