segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Novidades em Streaming - A Sociedade da Neve (La Sociedad de la Nieve)

De: A. J. Bayona. Com Enzo Vogrincic, Agustin Pardella, Tomas Wolf e Diego Vegezzi. Drama, Espanha / Uruguai / Chile / EUA, 2023, 144 minutos.

"O que acontece quando o mundo te abandona?". Vamos combinar que é bastante conhecida a história do time uruguaio de rúgbi que sofreu um grave acidente na Cordilheira dos Andes, durante um voo de Montevidéu à Santiago do Chile. Já foi tema de filme, de documentário, de reportagens e de obras literárias - aliás, o diretor J. A. Bayona utilizou como material base justamente o livro do escritor e jornalista Pablo Vierci. Então, faria algum sentido recontar essa trágica jornada de luta pela sobrevivência, cinquenta anos depois do ocorrido? Na verdade sim porque o filme Vivos (1993) parecia muito mais centrado no impacto do canibalismo como uma medida extrema, em um ambiente sem acesso a nenhum recurso para aplacar a fome. E nem o frio ou a sede. Em A Sociedade da Neve (La Sociedade de la Nieve) há um olhar muito mais atento para o senso de camaradagem que envolve a todos que estavam a bordo do bimotor da Força Aérea Uruguaia - de passageiros a tripulantes.

Nesse sentido, o filme de Bayona - que já chegou a afirmar que thriller O Impossível (2012) foi o ponto de partida para pesquisas sobre o tema -, parece tratar a história com muito mais sensibilidade e respeito à memória dos envolvidos. Que não por acaso aceitaram, pela primeira vez, que fossem utilizados os nomes reais. Da queda a quatro mil metros de altura, que arremessa a aeronave de forma violenta a um local chamado, por coincidência, de Valle de Las Lágrimas, até o resgate, 72 dias depois do episódio ocorrido em 13 de outubro de 1972, acompanhamos o esforço coletivo dos sobreviventes em tentar encontrar qualquer fiapo de esperança, que lhes possibilitasse o retorno para casa. E, em alguma medida, é simplesmente impossível não se emocionar em sequências tipo aquela em que o grupo consegue fazer o rádio funcionar (a muito custo), para no instante seguinte ouvir a transmissão sobre o encerramento das buscas, após seis missões enviadas pelo Governo em dez dias de operações.

Ao cabo, essa é uma experiência dolorosa, que converte a geografia da cordilheira em um descampado amplo, mas ao mesmo tempo claustrofóbico, sufocante e absurdamente gelado (o frio, aliás, é palpável). Quando uma expedição se arrisca alguns metros morro acima para tentar encontrar a cauda da aeronave - onde poderia estar o rádio transmissor -, o grupo se dá conta da imensidão de tudo, que os esconde em um espaço "impossível de sobreviver". "Aqui, os estranhos somos nós", revela Numa Turcatti (Enzo Vogrincic), que funciona como um narrador onipresente a ditar os passos e as consequentes missões de todos ali. Em entrevista para o Uol, outro sobrevivente, Roy Harley (Andy Pruss), chegou a dizer que não havia tempo para chorar os mortos, "porque isso tirava a nossa energia". Tecnicamente impecável, a produção ainda se utiliza de tomadas de câmera bastante próximas do rosto dos personagens, o que não apenas fortalece o vínculo com os espectadores, como também reforça o sentimento de desolação a cada nova etapa em que a esperança parece se reduzir.

Ainda assim não deixa de ser interessante de notar como, a despeito de todo o aparato técnico - que envolve uma fotografia eficiente e sombria (quase não se vê o sol naquele deserto gelado), uma trilha sonora impactante e um desenho de produção com locações reais -, talvez nada funcionaria se não fosse o senso de amizade, de coletividade e de empatia do grupo, que possibilitaria a sobrevivência de 16 pessoas, das 45 que estavam no avião. O que parece dialogar com a obra de Vierci (que não li). "Ele (o escritor) foi ótimo em entrar na mente dos personagens e explicar não apenas os fatos, mas o que aconteceu com eles por dentro. E então encontramos uma perspectiva que me deu a chave para contar a história de uma maneira que eu não tinha visto antes", comentou Bayona em entrevista ao Hollywood Reporter. O resultado é uma produção comovente e emocionante, que consegue dar destaque à personalidade e a subjetividade daqueles indivíduos, com seus medos, anseios, incertezas. Reinventar a vida, seus vínculos, seus valores, crenças e costumes. Foi isso que aqueles jovens fizeram, nesta que talvez seja uma das jornadas de sobrevivência mais inspiradoras da história.

Nota: 8,5


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